sábado, 27 de outubro de 2012

Zarayland VINTUM!

Tive no Rio no fim de setembro e cada vez mais eu sei, a Baixada Fluminense corre em minhas veias e não há como fugir! Minha vida está ali. Fui feliz e sou sabendo que minha terra é lá. Nesse fim de semana rápido (cheguei na sexta e voltei no domingo) fiquei com minha filhas, irmãs e mãe. Mas também vi meus amigos, irmãos e tudo isso me deixou muito feliz. Sabadão d sol em Recife e eu aqui no computador acabando esta edição do Zarayland que ficou assim:

1) UMA NOITE EM 67 é um filme que vi no Canal Brasil e me deixou de queixo caído! Deixo o link do Youtube para vocês verem se eu exagerei ou se mandei bem!

2) Na minha curta estadia no Rio, pude ir ao SARAU DONANA, em Belford Roxo e voltei a respirar. Poesia. Hoje a noite tem mais e são vocês que vão decidir se vale a pena ou não respirar. Eu acho que é imprescindível!

3) Coluninha básica, MEU POVO, com o poeta SYLVIO NETO. Uma crônica sobre um furacão que me dá mais força para continuar em minhas pequeninas guerrilhas.

4) O BURACO VIRTUAL DO DESENROLO FILOSÓFICO tira o pé do freio e publica um conto longo do poeta BRENNER OLIVEIRA. E se ousei publicar um conto tão grande, minha gente, é porque é filé mingnon. Produto da mais alta qualidade!

5) O véio Degani, faiô, não me enviou o DMV desta edição, para não me fazer de rogado, publiquei a coluna em seu lugar e falo do disco que ele lançou em 2009. “Até Agora, poemas de Marlos Degani de 1992 até 2008!”. Vale uma espiada e uma ouvida!

E assim ficou o Zarayland. Um periódico nem tão certo assim, mas cheio de amor para dar!

Um beijo, um queijo e um beliscão de caranguejo!

Cézar Ray

Uma Noite em 67


O poeta Marlos Degani sempre, em nossas reuniões, nos pergunta: “E quando esta geração morrer? Gil, Caetano, Chico, Roberto? Como vai ser?” Eu sempre achei um tanto exagerada esta preocupação de meu amigo. Afinal, os grandes da minha geração já se foram há tempos. Renato Russo, Cazuza, Chico Science. Então, para mim esta pergunta nunca teve tanta relevancia.

Acabei de ver o filme “Uma Noite em 67” no Canal Brasil e fiquei muito emocionado e dei muito mais valor a pergunta insistente do poeta.

O filme (segundo seu próprio slogan: sobre um festival que revolucionou a música brasileira), trata-se de um documentário que conta a história daquela noite histórica em que – hoje – grandes da MPB se aprensentaram numa noite emocionante no Teatro Paramount (ou da Record, hoje Abril) no dia 21 de outubro de 1967.

Ver os depoimentos hoje em dia dos personagens envolvidos, mesclados com seus depoimentos captados na própria data é de uma emoção féuladaputa!

Assistir aos depoimentos sobre uma passeata contra a guitarra elétrica, como se ela fosse o agente americano do mal, é olhar a ingenuidade que persegue até hoje alguns xiitas de nossa cultura!!!

Sérgio Ricardo sobre uma torrencial vaia, querendo enfrentar o público que cada vez reage pior ao seu discurso provocativo, inclusive não permitindo que ele consiga se ouvir, tendo um final decisivo para sua carreira ao quebrar o violão no palco. Decisivo, pois naquela época a Record mandava na mídia.

Gravadoras, programas de auditórios (musicais) e os próprios músicos tinham vínculos com a TV. É uma história que merece um capítulo a parte, mas ver seu depoimento – do Sérgio – hoje é fundamental!!

Chico Buarque aos 23 anos (todos estão na faixa dos 20 e poucos anos e todos já tinham cara de velhos como todo mundo tinha antigamente) mais tímido que hoje acaba uma entrevista com a frase – sorrindo: “Estou meio atrapalhado para responder esta pergunta” é impagável. E ainda melhor vê-lo dizer que Caetano afirma que ele esteve em várias reuniões para discutir – não a criação da Tropicália, mas sim de – uma nova forma de se fazer música no país e que em todas as reuniões ele estava bêbado, por isso não se lembra. É demais!

Assim como é demais ver o diretor da Record afirmar que manipulava os festivais. Não com os resultados, mas sim influenciando o público forçando personagens. Como num Telecatch. Manequeísticamente. Incitando a criação do mocinho, do bandido, do pai da mocinha, da mocinha.

Falar mais do filme é tirar mais prazer que já tirei. Deixo aqui somente a dica para vocês. Peguem este filme. Deve ter como baixá-lo. Assistam e conheçam parte da história da música brasileira. Que jamais morrerá. Mas como questiona muito bem meu amigo Marlos Degani, seus personagens uma hora deixarão de estar entre nós, e aí como é que vai ser?

Sarau Donana

Eu, Jr. Blue e Alcides Eloy montamos - certa feita - um grupo de poesia dentro do grupo Desmaio Públiko. Decúbito Dorsal era o nome do danado. Saíamos procurando lugares que tivessem algum movimento cultural para atacarmos, com nossos poemas irreverentes ou patologicamente apaixonados. Um desses locais virou a nossa casa. Este lugar era o Centro Cultural Donana na Piam, por volta de 1994.

Conhecíamos a história do local como o berço do reggae e naquela época era comum encontrar por lá os integrantes do Cidade Negra, KMD-5 (na verdade a casa do Dida Nascimento e do Marrone, integrantes da banda). Conhecemos também os rappers Nino Rap e Ed Mc, sua namorada na época, que tinha um grupo de dança afro, lindo. A capoeira com o mestre Monstrinho (um cara gigante forte que só) que as vezes jogava com uma menininha de uns 5 anos. Dava medo!

E nós do Decúbito Dorsal ao lado do poeta Raimundo e de outro que esqueci o nome, declamávamos versos e paixões.

Depois a Dona Ana (mãe dos meninos e inspiração para o nome da Centro Cultural) nos deixou e ficamos também órfãos do espaço e dos eventos. Nesta época também o KMD-5 havia mudado de nome e virado o Negril e começado a excursionar pelo o Brasil, aparecer na MTV e tal.

Surpresa foi há pouco tempo acompanhar a reabertura do espaço com o CineRock entre outras atrações. O Sarau Donana realizado pelo Coletivo Pó de Poesia, lançando o fanzine Entrelinhas, aglutinando os grupos e movimentos poéticos que começaram a pipocar nos novos tempos, tornando o sagrado espaço em profano!

Tive, não a oportunidade, mas sim, o privilégio de estar no Rio no último Sarau (29/09/12). Privilégio, porque foi um daqueles momentos em que a emoção comunga com a razão. Estar ali, ao lado de Ivone Landim, Dida Nascimento foi como a realização de um sonho antigo. Rever o poeta Euclides Amaral com mais gás que antes, quebrando tudo numa apresentação arrebatadora, o poeta Idicampos (Colinha) declamando magistralmente seus versos e o poeta Naldo Calazans (Preguinho) inspiradíssimo participando performaticamente de cada apresentação, não teve preço.

Como não teve preço também o pocket show acústico do Seu Mathias e Panela Zen me surpreendendo com músicas maravilhosas, letras bem sacadas, banda azeitadinha e som da melhor qualidade.

Certa hora da noite mágica a Ivone Landim me convidou ao palco e fez uma belíssima homenagem ao Desmaio Públiko e ao poeta aqui tagalera. Chorei. Choramos de alegria de nos sabermos amigos, poetas, admiradores, comparsas, cúmplices da poesia que nos regeu sempre e que nos guia ainda pelo caminho do amor.

E ainda teve o Maurício Galo e sua voz linda emocionando a todos, André Luz arrebentando a percurssão em uma Jam fodaça com Dida e Preguinho (tocando instrumentos invisíveis), a poeta Camila Senna, o Grêmio e Futebol Clube dos meninos do bairro regidos por um maestro/técnico emocionando a todos.

Teve o rapper e poeta Slow DaBF, o poeta Vicentinho, os poetas do Pó de Poesia (ausência marcante do poeta Marcio Ruffino), o saxofonista solitário arrancando lágrimas, a Cássia fotografando tudo, a poeta Luisa Rodriguez, segura e certeira como sempre e só não sei como terminou aquela noite porque fui embora com o Euclides Amaral para Nova Iguaçu deixando a noite um pouco mais cedo, mas já grato por ter vivido aquelas horas de oxigênio como há muito não vivia.

Hoje vai rolar de novo e infelizmente não poderei estar em Belford Roxo, mas insisto para que quem puder ir até a Piam, não deixe esta oportunidade passar. Afinal, a noite contará com uma homenagem aos poetas Marlos Degani e Jorge Cardozo e o show será do Maurício Galo lançando seu lindo disco Asfaltando Dor Pequena. Vai ficar de fora, Mané?

Meu Povo: Sylvio Neto


Em um mundo perfeito não existiria lugar para um cara como Sylvio Neto. Sylvio é dedo na ferida, poeta alucinado, amoroso ao extremo, o caos!

Em um mundo perfeito, todos seriam como Sylvio Neto com seus pecados e erros, sua amizade e generosidade, sua irresponsabilidade e preocupação, suas aparições surpresas e seus sumiços já esperados.

Sylvio não é poeta somente. É a própria poesia e seus desvãos. Enigma e cara de pau. Ingênuo como uma criança. Sábio como um ancião. As vezes é o próprio poder, outras sente medo até de sua própria sombra.

Conheci Sylvio ainda na época do Daniels Bar, ou foi no Donana, não me lembro. Sei que era rasta e tinha uma banda chamada Postura Africana. Anos se passaram, virou meu vizinho no Monte Líbano, amigo.

Feliz, ajudei (ou como ele próprio diz: Apadrinhei) sua empreitada poética no “Poesia na Varanda” com Roger Hitz. Declamei, ajudei a apresentar (ele sumiu no meio do evento) e passamos a conviver e nos ver com mais frequência.

Sylvio Neto publica o blog Choppinho Digital onde explode sua idéias sobre o mundo moderno, critica, elogia, ama de paixão arrebatadora, odeia, toma partido, segura a onda, some, declara guerras, procura a paz e nunca a encontra.

Vive com a pessoa mais perigosa do mundo: Ele próprio. Não tem idéia do tamanho que ocupa no mundo. Não faz idéia de sua importância num mundo sem sentido como o que vivemos. É amado por milhares e odiado por alguns. E todos tem razão. No amor e no ódio!

Ele é que não tem esta tal fulana Razão, ao seu lado. Vive com a Paixão. E Paixão é bicho indomável. Sem amarras e sem destino certo! Vive sobre o signo e regente Sylvio Neto. Mesmo que influenciado totalmente pelo lado de fora é seu mundo interior que faz dele este ser sigular.

Um guerreiro que usa a pena de forma visceral, por isso tantas vezes atinge o alvo com precisão cirúrgica e em outras erra feio e acaba por atingir inocentes sem querer. Aí pede desculpas e mesmo perdoado, nunca mais se perdoa. Fica ruminando culpas e dores. Ainda que tudo já tenha sido esquecido, nele jamais uma dor passada, passa.

Sylvio Neto é um símbolo da poesia violenta e que não faz concessões. Amo este cara como um fã ama um ídolo. Como um pai ama um filho. Como um filho, seu pai. O mundo perfeito não existe, mas Sylvio Neto existe para provar que a possibilidade de um mundo, ao menos melhor, pode existir. Com suas dualidades, diferenças e dicotomias. Sou admirador de todos os Sylvios que existem em guerra dentro daquele ser maravilhoso! Evoé Poeta!!! Você tem um lugar único no mundo que vivo: Meu Coração!


Buraco Virtual do Desenrolo Filosófico

Espelhos Divergentes

Cheguei à capela 03 do São João Batista às seis e vinte da manhã. Fui o primeiro a chegar. No corredor, somente umas três ou quatro sonolentas testemunhas da capela vizinha que passaram a noite no cemitério. Dei um ‘bom dia’ silencioso a elas meneando a cabeça e esperei o zelador subir com a chave.

Deixei minha mulher com as crianças (que não são mais crianças: o mais novo tem 19 anos e a mais velha 24, mas ainda não acostumei a chamá-los de outra forma) em casa, tomando café da manhã. Eles estranharam minha pressa e tentaram me demover da idéia de vir sozinho – provavelmente pensando que eu ainda estivesse em choque por causa da notícia – mas eu estava convicto.

A morte de Claudio certamente foi um baque – ainda mais porque ele não dava notícias há pelo menos oito anos. Desde que se mudou para Brasília o contato com a família foi ficando cada vez mais esparso até se esgotar por completo.

O responsável pela capela veio abrir a porta com o livro de presenças debaixo do braço: um caderno de capa de plástico verde musgo, com poucas folhas, que foi deixado à entrada.

Olhei a esferográfica pousada em cima do caderno, mas não tive ânimo de pegá-la.

Mas ela me sorria, atraente, tentando me dar um tiro certeiro. Seduzia-me em sua nudez. Dei de ombros.

O zelador abriu a enorme janela de alumínio e por trás do vidro canelado surgiu uma paisagem feia de túmulos de concreto. Como que para compensar a vista, uma agradável brisa matutina veio refrescar o recinto.

O caixão estava à mesa, fechado. Aproximei-me dele vagarosamente e com certa dificuldade, como se estivesse andando sobre areia movediça. Inclinei-me sobre a abertura de vidro da tampa e lá estava Claudio. Meu irmão gêmeo.

Era uma sensação quase irreal ver meu irmão daquele jeito – o rosto emoldurado por pétalas brancas, pálido, inexpressivo. Morto.

Por um instante não o reconheci. Ver Claudio sempre foi como observar minha própria imagem no espelho: somos (éramos) gêmeos idênticos, univitelinos. Até nossa mãe tinha dificuldade em nos diferenciar. Agora Claudio parecia um boneco de cera, uma cópia malfeita do homem que eu conheci durante minha vida toda. Era um estranho para mim.

Pela primeira vez em 56 anos, senti-me completamente só.

Claudio sempre foi o rebelde da família; já para mim sempre coube o papel do conciliador, o filho responsável. Era uma piada interna de família dizer que “Claudio e Daniel eram os gêmeos idênticos mais diferentes do mundo”. E a graça residia exatamente na nossa impressionante semelhança física; somos (éramos -- tenho que me acostumar a conjugar esse verbo no passado) tão parecidos que chegamos ao cúmulo de possuir até mesmo uma cicatriz idêntica logo abaixo do queixo. Foi assim:

Aos três anos, estava eu correndo pela casa quando caí de queixo no piso recém-encerado, abrindo um corte feio de mais ou menos três centímetros; Dois dias depois, tomando banho, Claudio escorregou na banheira e cortou-se exatamente da mesma forma que eu.

Esse acontecimento virou lenda na nossa família – até hoje contam o episódio como sendo algo de natureza mística, uma espécie de prova do elo sobrenatural que une os gêmeos. Quanto a nós, nos limitávamos a rir dessas explicações tresloucadas que as pessoas inventavam para algo que nos era tão natural.

A única característica que realmente nos diferenciava era o fato de eu ser destro e Claudio, canhoto. Talvez esse detalhe tão simples tenha sido o fator que mais nos diferenciou e que passou despercebido por todos durante toda nossa vida.

Relembrando os acontecimentos, vejo que isso foi algo que realmente foi determinante para a nossa separação. Até os cinco anos mais ou menos nós éramos praticamente siameses, vivíamos quase que literalmente grudados, fazendo tudo juntos -- como nos clichês dos filmes americanos, onde um gêmeo pensa o começo da frase e o outro a termina.

Isso começou a mudar quando entramos no colégio apesar de estudarmos na mesma classe, lembro que foi durante a alfabetização que o nosso processo de separação começou a acontecer, fomos gradativamente perdendo essa ligação e nos tornando indivíduos pela primeira vez.

Lembro da minha facilidade em aprender a escrever, aprendendo os fonemas e praticando as letras com afinco no meu caderno de caligrafia. Já Claudio teve muita dificuldade, justamente por ser canhoto: as professoras não possuíam a pedagogia de hoje e achavam que o correto era aprender com a mão direita – portanto o forçavam a esquecer a mão dominante e escrever com a outra mão. O resultado foi obviamente catastrófico: Claudio via meu progresso e se frustrava, já que não conseguia escrever como eu. Isso foi traumático para ambos, pois isso nos mostrou que apesar de nossas semelhanças, nossas capacidades não eram iguais. Mas foi muito pior para Claudio, que se sentiu inferior a mim por ter uma letra feia e não ter a habilidade de escrever com a mão direita.

Após poucos meses Claudio conseguiu aos trancos e barrancos elaborar uma caligrafia passável com a mão direita (nunca foi bonita) e isso não foi mais problema durante o primário. No final da terceira série haviam o deixado em paz e ele finalmente pôde escrever com a mão esquerda, o que foi uma libertação -- O resultado dessa história é que ele se tornou ambidestro.

Mas as cicatrizes da alfabetização (e a evidência de que éramos diferentes) ficaram.

Provavelmente ter sido forçado na infância a alterar uma função que lhe era natural, Claudio desenvolveu uma rebeldia que na época nenhum de nós entendia a razão, mas hoje eu compreendo perfeitamente.
Casei só uma vez, estou casado há 28 anos com a mesma mulher. Bebo moderadamente, fumo um maço de cigarros por dia (tentando parar há 4 anos), sou funcionário público à beira da aposentadoria, renda estável, pecúlio garantido para esposa e filhos, tentando controlar meu colesterol e meus triglicerídeos para tentar prolongar essa minha vida estável, calma e sedentária.

Esse sou eu, Daniel, o destro. Sempre levando uma vida direita - destra.

Claudio se casou três vezes, não teve filhos. Fez quatro anos de faculdade de medicina quando decidiu largar tudo. Nossos pais quase o deserdaram quando ele resolveu tirar um ano sabático para viajar pelo Brasil – ano sabático que durou praticamente sua vida inteira, já que nunca mais voltou. O plano de conhecer o Brasil durou somente 2 semanas, pois chegando em São Paulo Claudio sacou o dinheiro guardado na caderneta de poupança para comprar uma passagem para Londres.

Ficou na Europa durante 12 anos, trabalhando nos empregos mais humilhantes que se possa imaginar, daqueles que são reservados somente a imigrantes. Durante esse período eu era a única ponte entre ele e meus pais, já que eles se recusavam até mesmo a falar com ele pelo telefone (com certeza por medo de fraquejarem e implorarem para que ele voltasse logo).

De volta ao Brasil, apresentou um portfólio de retratos em uma redação de revistas carioca e a partir daí virou fotógrafo. Ganhava fortunas com um trabalho e depois ficava meses na miséria por conta de calotes - e também por não saber cuidar das finanças. Portanto, sua rotina era ficar alternando entre o luxo e a pobreza várias vezes ao ano.

Mas nunca ligou para dinheiro, já que o serviço proporcionava o que ele mais gostava de fazer, que era viajar.

Esse era Claudio, a ovelha negra da família. O errado, o canhoto.

Estranho como as mais simples escolhas nas nossas vidas determinam todo nosso destino. É assustador pensar que a forma de escrever possa mudar completamente nosso comportamento, nossa forma de pensar, de agir.

Será que se eu fosse forçado a escrever com a mão esquerda meu destino seria diferente? E Claudio? Seria diferente se não tivessem forçado a mudar sua natureza?

Acredito que sim. Tenho provas disso. Mas isso é uma convicção empírica e pessoal, não quero nem posso convencer ninguém disso. Nunca conversei com isso nem com minha esposa – ela apesar de me amar muito, não entenderia. Existem coisas que vão conosco para o túmulo.

Meu irmão está morto. Metade de mim será enterrada naquela caixa de madeira daqui a algumas horas e eu sinto como se tivessem colocado uma pedra de concreto pressionando meu peito.

Muito cedo, muito jovem.

Nunca mais ele baterá na minha porta chegando de viagem e nunca mais nós poderemos nos comparar como sempre fizemos durante a vida toda: Quem estava mais gordo, quem deixou a barba crescer, quem atingiu a puberdade primeiro e em qual de nós nasceu o primeiro fio de cabelo branco.O resto da jornada terei que seguir sozinho.

Olho mais uma vez para meu irmão. Começo a notar as semelhanças que o choque inicial não me deixou perceber antes. Admiro suas feições pela última vez e faço uma prece silenciosa agradecendo pelo milagre de ter nascido junto com ele.

Vejo suas sobrancelhas finalmente descansadas (que viviam sempre vincadas de preocupação), seus lábios. A cicatriz debaixo do queixo. Abro um sorriso e por reflexo, levo a mão ao meu próprio queixo.

Já são sete e cinco e as pessoas começaram a chegar. Minha esposa e as crianças (eu sei, mas pra mim sempre serão crianças) vêm e me dão um beijo, me perguntando como estou. Dou um sorriso para tranquilizá-los e digo que está tudo bem.

Menos de dez minutos depois, a capela já está lotada. Amigos, primos, ex-mulheres... Todo enterro no final vira um filme de Fellini, com choro e gargalhadas na mesma proporção.

Vou até a cantina e peço um café. Não foi a melhor escolha (aguado e fervendo, como todo café de cantina), mas pedi mais por hábito que por necessidade. Bebo metade do conteúdo e dispenso o copo plástico na lixeira.

À entrada da capela, me deparo novamente com o livreto verde musgo.

O livro de presenças já estava aberto na segunda página e vejo que praticamente todos já o assinaram. Até Beatriz, sua segunda (ex) esposa, que sempre viveu às turras com ele durante a vida inteira, havia rabiscado suas condolências no livro. Olhei novamente para a caneta ao lado e finalmente a pego.

Desenho primeiro um “C” (quase irreconhecível), depois um “L” (ainda difícil), um “A” (tremido, mas ficando melhor)... e assim por diante.

Pronto.

“Claudio,
Você é minha carne. Você é meu coração. Durma em paz.
Um beijo do seu irmão.
Com a minha esquerda,

Daniel”.


Brenner Oliveira é um grande poeta e escritor. Não o conheço pessoalmente, mas sua pena sempre me emociona quando tenho o prazer de navegar com ela. Você encontra mais belezas como este conto aqui publicadas na página do Facebook do Buraco Virtual do Desenrolo Filosófico aqui ó:

DMV Emprestado: Até Agora - Marlos Degani – 1992 – 2008

Como o colunista Marlos Degani não escreveu nada para este número do Zarayland, ouso aqui resenhar seu disco de poemas, usando sua própria coluna para dissecá-lo. Por isso o DMV desta edição versa sobre uma produção audaciosa do poeta, ao lado do produtor “faz tudo” Marcelo Peregrino, de seu disco de poemas “Até Agora – Marlos Degani – 1992/2008”.

Juro que nunca concordei com a feitura desse disco. Sempre achei precipitado para um poeta que havia lançado apenas um livro de poemas. Nunca me agradaram, também, discos de poemas declamados. Esta idéia acrescida da decisão incisiva de Marlos em não ter qualquer adereço aos poemas (ruidinhos, fundos musicais ou qualquer outra coisa que decorasse sua voz lendo os poemas) me deixou ainda mais cabreiro!

Mas o disco é um registro histórico único, que hoje acho, deveria ser repetido por todos os poetas. Não pelo apressado produto, mas por vê-lo como um registro importante da poesia nacional. Pois bem, vejam porque:

O disco cobre todos os poemas (editáveis) do poeta, registrado por sua própria voz, dando as ênfases corretas aos seus versos, respeitando vírgulas e respirações, ainda que em vários poemas se perceba nitidamente a mudança da pronúncia devido ao consumo incessante de Sagatiba.

Aliás este detalhe torna a obra mais interessante. São 39 faixas com mais ou menos três poemas cada. Coisa para caralho. Mas vi com esses olhos que a terra rejeitará, a poeta Vanessa Santana ouvir no fone de ouvido e chorar de emoção com seus versos!!! Não indico a ninguém que ouça o disco de uma vez, é hercúleo ouvi-lo sem acompanhar os desenhos dos versos no papel, mas ouçam como pequenas doses de destilados. Tome uma dose aqui e outra ali. E aí cai muito bem.

O disco tem supra-importância quando penso em escolas e em quem queira passear por sua obra. É uma ótima forma de fazer alunos cada vez mais preguiçosos com a leitura, se apaixonar pelo mundo mágico da poesia. Ouvir os versos de Degani é um prêmio. Eu já ouvi esses disco inteiro umas 5 vezes. E isso é o maior elogio que ele pode receber de mim. Mas é claro, que eu sou muito suspeito. Faço parte da vida deste poeta e ele faz parte da minha vida como o H2 faz com O e vira água. Somos irmãos. E fiz a capa do disco. Um rabisco na mesa de um bar, só para questionar a caricatura que outro colega fez dele, e na hora ele proclamou em alto e bom som: “Era isso que eu queria!!”

E me orgulho muito desse momento!

As últimas 11 faixas são na verdade uma entrevista feita por vários amigos que enviaram suas questões ao vate, que respondeu uma a uma, as vezes com total intensidade, as vezes com total embriaguez.

O disco virou um DMV (Discos de Minha Vida) por se tratar de um disco de pau duro, cheio de tesão, honesto para caralho e porque são poemas essenciais na vida de qualquer um que goste de poesia e da visceralidade de versos soconolho. Ouça, critique, elogie, viste a página do poeta, mas nunca passe impune!

O poeta está no Blog
O poeta está no My Space
O poeta está no YouTube
http://www.youtube.com (digitar Marlos Degani)
O poeta está na página do Desmaio Públiko do Orkut
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=3247729
O poeta está no
Baixada Fácil http://www.blogger.com/goog_1741428297
O poeta está no Twitter @MarlosDegani