sábado, 3 de março de 2012

Edição Desessete (dedicada ao amigo Luis XVII de Nova Iguaçu)

A edição desessete está prontinha. Mexi nela completamente empurrando posts para as próximas edições. Mas valeu a pena. Acho que quando um assunto se torna muito relevante ou prioritário, vale mudar tudo e até atrasar a edição. E foi isso que aconeteceu por causa de um filme: “Só Dez por Cento é Mentira” de Pedro Cézar, um documentário sobre o poeta Manoel de Barros. Tive que remodelar todo o periódico. Mas isso é o Zarayland, um lugar para eu contar minha história e indicar para vocês, coisas que me tocam. Aproveitei para contar um pouco sobre os carnavais que passei por aqui e acho que ficou duca. Vamos a ela:

1) Falo sobre minhas pulações pelo carnaval pernambucano, o que foi bom, o que é bom e o que não é tão bom assim (ou que ainda não tive sorte para ser).

2) Na coluna “Meu Povo” falo de nosso Pedacinho de Jabá, a poeta Lírian Tabosa.

3) O filme “Só Dez por Cento é Mentira” que mudou completamente o rumo desta nau.

4) Umas fotos que tem a ver com o filme supracitado.

5) Nova coluna no Zarayland: Memórias de Robson Luy. Robson é um dileto amigo que escreve levemente sua biografia em pequenos textos apaixonantes. Tenho alguns aqui comigo e vou - com esta coluna - exigir que ele continue sua saga, remexendo seu HD Mental.

6) A, já, tradicional coluna DMV de Marlos Degani fecha a edição falando sobre o Rei Roberto Carlos. Me empolguei tanto que fiz até uma coletaneazinha com as faixas indicadas pelo poeta que deixo aqui para vocês baixarem.

Espero que gostem tanto de ler quanto gostei de escrever. Divirtam-se e se puderem deixem um comentariozinho pro escriba aqui se empolgar.

Um beijo um queijo e um beliscão de caranguejo!
Zaray

Carnaval em Pernambuco

O Carnaval em Pernambuco é fascinante. A chancela Carnaval Multicultural é merecida. Não conheço outro lugar do Brasil com tal perfil. Diversas possibilidades, diversos shows, diversas manifestações. É claro que o frevo fala mais alto, mas tem espaço para o Maracatu, Caboclinho, Brega, Samba, Axé, Rock, Rap, Música Eletrônica, MPB e até Blues e Jazz (que na verdade é divulgado como um carnaval off, para quem quer fugir das loucuras momescas, a cidade de Garanhuns promove o Garanhuns Jazz Festival durante o carnaval). É este caldeirão que torna o carnaval daqui, mágico.

PRIMEIRO CARNAVAL:
Meu primeiro carnaval aqui em PE foi em 2009. Entrei no racha de uma casa em Olinda e pude conhecer o poder daquele lugar e de seu carnaval. Foi um espetáculo único com o qual sempre sonhei participar. Meus amigos Claudio Lyra e Mari Dias estavam me visitando e puderam desfrutar de dias de farras pelas ladeiras da cidade. Eu fantasiado de Sheik, Denise de Marinheira, Claudio de Múmia e Mari de Macaca. Isso na companhia do cicerone Fernando Malafaia e de usa esposa Margarida. Foram lindos dias. Fomos também ver o encontro de Maracatus Rurais na Casa da Rabeca, terreiro sagrado de Mestre Salustiano. Coisa linda aquele lugar. Arrepiante.

O GALO DA MADRUGADA:
Eu não dou sorte com o Galo da Madrugada. No Galo você pode pular de várias formas. No asfalto, nos camarotes, nos trioelétricos e na Galinha Dágua. A Galinha Dágua é o seguinte, Recife é recortada pelo rio Capibaribe e é exatamente pelas suas pontes e margens que o Galo desfila, então as pessoas vão de lanchas e barcos para o rio, pular dentro de suas naves. E no primeiro ano tentamos ir para a tal Galinha Dágua a convite de Marcos Sultanum. Enchemos o barco de bebidas e tiragostos e partimos lindamente. Na altura de Olinda entrou um saco plástico no motor que fez super aquecê-lo. Resultado, ficamos a deriva e o que se viu depois foi um festival de vômitos. Galo 1, Cézar Ray 0.

No ano seguinte a convite de Gilvan Aleixo (nosso Giva) e de Amara Dani fomos tentar o asfalto. Num sábado escaldante o calor vindo do sol, do alfalto das pessoas era tão intenso que nem cerveja estava descendo. Tive que pedir arrego, peguei um taxi e fui para a praia de Boa Viagem me recuperar. Galo 2 x 0.

Ano passado resolvi nem tentar. No final da tarde André Ribeiro, meu vizinho apareceu aqui em casa bêbado, feliz como um pinto no lixo dizendo que foi o melhor carnaval de sua vida, no camarote do Galo. Contou tanta coisa boa, seus olhos brilharam tanto que me arrependi de não ter ido. Galo 3 x 0.

Este ano, ainda com as lembranças dos adjetivos proferidos pelo André e a convite de meu patrão, Bartolomeu resolvi aceitar ir para um camarote ver o Galo. Só que o camarote (do Pezão – Nota; Pezão é um dos quiosques mais famosos e diputados da praia de Boa Viagem) não foi legal. Um prédio antigo no centro da cidade, quatro andares. Tudo muito estreiro e apertado, calor, não dava para ver nada, banheiros cheios (de tudo) e escadas, muitas escadas. Galo 4, Cézar Ray 0. Este Galo está me cozinhando...

PRÉVIAS: O GUAIAMUM TRELOSO:
O Carnaval deste ano na verdade começou – para mim e para meio-mundo – nas prévias. Fui em duas: “Guaiamum Treloso” e “Enquanto Isso na Sala da Justiça”. Ambas pagas. No GT, shows de Mombojó (que não vi, pois foi a primeira atração da noite) seguido pelo DJ 440 que fez um set bacanudo, mas foi prejudicado por um som abafado. Sem brilho. A produção deu mole. Depois de 440 o tão esperado francês Manu Chao fez um show animadíssimo, festivo, bem feito porém deixou de tocar clássicos que fizeram falta na avaliação final. E para fechar a noite a banda olindense Eddie, que em casa com a torcida toda sua, fez um showzaço com direito a todos os hits e participação do mestre Erasto Vasconcelos. Dez.

Além deste line de primeira, o lugar escolhido foi muito bom. Uma área verde aberta nas margens do Capibaribe e do Açude de Apipucos e eu estava cercado de amigos queridos que deixaram a noite mais especial ainda. O Guaiamum Treloso é uma prévia que pretendo ir todos os anos, pois ano passado o Show de Otto foi de tirar o fôlego, ofuscando até o rei do baile Nando Reis que veio depois.

PRÉVIAS: ENQUANTO ISSO NA SALA DA JUSTIÇA:
A “Sala da Justiça” é aquela prévia que todo ano eu e Denise queremos ir e na hora H alguma coisa acontece que nos impede. A “Sala” é um bloco criado para as pessoas se fantasiarem de super-heróis e que sai no domingo em Olinda. Mas sua prévia já é mais famosa e disputada que o próprio bloco. Este ano os shows foram: Original Olinda Style que abriu com sonzeira olidense (o combo é formado por músicos da Orquestra Contemporânea de Olinda e pela banda Eddie) animando os personagens sedentos por boa música. Logo depois Os Paralamas do Sucesso, tocaram o disco Selvagem? De 86 na íntegra e para fechar a noite, Otto com seus poderoso show “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos”.

Mas a grande magia desta prévia não são os shows propriamente ditos, mas sim o show do público. Tanta fantasia legal, que não se prendem só a super-heróis, encontra-se de tudo por lá, tanta criatividade, tanto cuidado como há tempos não via no carnaval. É impressionante. Eu tirei fotos com todos que eu achava bacana. Juntei pessoas que tinham fantasias complementares mas estavam separados, como o Batman, o Charada e a Hera Venenosa ou ainda Darth Vader e os soldados da Tropa Imperial e até prometi que ano que vem vou preparar minha fantasia com esmero e bastante antescedência!

BEZERROS
Não posso deixar de falar de Bezerros, cidadezinha que fica entre Gravatá e Caruaru no agreste pernambucano. Domingo é o dia do carnaval de lá levar milhares de pessoas para suas ruazinhas e ladeiras para pular juntas aos Papa-Angus. Fui em 2010 e 2011. No primeiro ano foi show de bola, ficamos num camarote bacana, com amigos (alugamos uma van) do trabalho e de fora e a farra foi boa demais. Já m 2011, estava muito mais cheio e quente. O mesmo camarote estava abafado por um camarote oficial da festa, alto que impedia a circulação de ar. Resumindo, este ano dei um pause em Bezerros. Mas não deixa de ser um carnaval bacana.

FESTIVAL RECBEAT
No auge do Movimento Mangue Beat o produtor Gutie criou um festival para dar visibilidade a efervescência musical que acontecia em Pernambuco. Aproveitando o carnaval, onde Recife transborda de turistas, o festival levou ao seu palco todo o time do movimento, Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio, Eddie entre tantos outros. Hoje o RecBeat faz parte da programação oficial do carnaval recifense com shows de artistas locais, de outros estados e até mesmo de outros países. Eu peguei uma gripe chata no domingo de carnaval e passei a segunda me recuperando (por isso perdi o show de Junio Barreto e da Nação Zumbi no Pólo Várzea), mas na terça-feira tinha show de Criolo no RecBeat e eu tinha que ir. E fui. Criolo justificou o porque de tanto barulho em torno de seu nome. Com um show arrebatador, desfilou seus hits e músicas obscuras do primeiro disco quando ainda assinava Criolo Doido. Eu, como sempre, saí um pouco antes para não cair nas garras dos taxistas oportunistas. Thiago Guerra me disse depois que eu perdi muita coisa. Fico pensando que se o que vi já foi um showzaço se ficasse e assistisse até o fim o que iria achar? Jamais saberei. Só sei que foi um puta show!

E é isso!

Meu Povo: Lírian Tabosa



Quando comecei a frequentar a Casa de Cultura de Nova Iguaçu (aquela que era ao lado da Praça do Skate) conheci alguns artistas importantes de minha cidade. Os artistas plásticos Raimundo Rodrigues; Julio Sekiguchi; Fátima do Rosário; Deneir, os atores Alexandre Mímico e Josy Lozada, os poetas Almeida dos Santos; Idicampos e a poeta Lírian Tabosa!

Fiquei muito impressionado pela poeta Lírian Tabosa, uma senhora com mais de 60 anos, com uma cabeça muito jovem, disposição de menina e talento e tesão de sobra. Até hoje ela é assim, incasável. Tabosa dava aulas de Yoga e de Esperanto (sim, ela fala esperanto) na Casa de Cultura e tinha acabado de lançar um livro em parceria com Moduan Matus. Fui apresentado a ela pelo Moduca e minha primeira impressão foi que ela não tinha ido com a minha cara.

Ledo engano!

Viramos muito amigos e ela até me chama de “Meu Filho”. Nós a chamamos de “Nosso Pedacinho de Jabá”. Nordestina do Ceará ainda tem aquele sotaque gostoso com sabor de jangada e brisa marinha. Seus poemas são hora de protesto, hora tristes que doem, hora engraçados, hora apaixonados que fazem todos se levantarem para aplaudi-los quando encerra suas apresentações sempre tão emocionadas!

Na época da ditadura militar se exilou em alguns países da América Latina e teve a oportunidade de conhecer dois ícones da resistência e do comunismo: Che Guevara e Pablo Neruda. Ela é comunista convicta e uma boêmia inveterada. Adora virar noites bebendo, fumando seu cigarro na piteira e jogando conversa fora. Isso me fez lembrar de uma história que aconteceu na Casa de Cultura.

Tabosa encerrara sua aula de Yoga e suas alunas a tinham como uma guru espiritual e tal. Ela encontrou com a gente (Eu, Eloy, Moduan, Blue) no bar da “Casa” bebendo umas e se juntou ao grupo. Nisso uma aluna entrou e deu de cara com a Poeta sorvendo tranquilamente sua cerva e exclamou: “Dona Lírian!!! A Senhora está bebendo!!???” e ficou ainda mais espantada quando viu um cigarro aceso em seus dedos: “FUMANDO??? Como assim???” e nossa guerreira não se fez de rogada e mandou: “Eu bebo, eu fumo e faço tudo que o corpo pede. É preciso alimentar a alma e a carne para conseguir o equilíbrio!”. Eita, sabedoria!

Criamos uma reunião chamada S.P.I (inspirada nas reuniões do filme Sociedade dos Poetas Mortos, no nosso caso dos Poetas Íntimos) e nos reuníamos em lugares diferentes a cada vez. Uma dessas foi na casa dela e lá existia um cantinho de meditação e oração, onde funcionava também sua biblioteca. Um lugar sagrado. O poeta Alcides Eloy precisando de espaço para preparar uma caipirinha entrou neste quarto e ficou lá no chão esmagando os limões. Tabosa entrou e perguntou pro rosado amigo: “O que você está fazendo aí dentro, meu filho???” e o Eloy: “Caipirinha!” Ela pensou, pensou e ponderou: “Ah então tudo bem, pode continuar!”. Essa é a Tabosa!

Sinto muita saudade dela. De seus conselhos e dicas. Quando vou ao Rio nem sempre consigo vê-la, mas sei que mesmo distantes, estamos para sempre intimamente ligados pelo amor e pela poesia! “Engula, minha filha, engula!!”
A Cansada Espera

Esperei por ti
uma tarde inteira,
dois dias, três,
um mês, um ano,
mais ainda
e tu não viestes.

Como eu, milhões de apaixonados
esperavam por um momento
de alegria e de prazer.

Em teus braços queria cair,
queria te sentir e te abraçar
e num abraço bem forte
nada mais queria
que profundamente gozar.

Não!
Não só eu estava a esperar,
mas, milhões de apaixonados
aguardavam tua chegada.
Porém um dia tu virás,
então veremos quanto valeu a pena
esperar por ti,

Oh LIBERDADE!

Lírian Tabosa

Bibliografia:
1 - Libertas Quae Sera Tamen
2 - Lírian Tabosa X Moduan Matus
3 - Pequena Mostra Poética
4 - O Quarto
5 - Umas e outras
6 – Lírios

Manoel de Barros e o Filme Só 10% é Mentira


A Ana Oliveira havia me avisado: “Este filme é para chorar”. Não deu outra. Difícil para mim não ficar transtornado com o filme. Ele é de uma delicadeza extrema. Algumas vezes me lembrou “De Alguns Poetas da Terra da Laranja” de Tigú. Fotografia maravilhosa (vejam as silhuetas dos meninos com a bóia e a “Palmirolândia”), entrevista heróica (“Tudo bem Manoel era só um sonho”) e direção e roteiro expertíssimos de Pedro Cézar (meu xará).

Mas sobre do que o filme trata é que me levou as lágriams prometidas pela Aninha. Não quero desvalorizar a película, longe de mim, mas existem filmes que valem tanto pela história que fica difícil colocar na balança o que é melhor.

Quero justificar todo este preâmbulo, porque tive que mudar toda a edição 17 do Zarayland por conta de tê-lo assistido. Mexeu demais comigo vê-lo na terça-feira de carnaval em minha casa. Já meio chapado e emocionado com a “desbiografia” de um poeta que conheço há tanto tempo e que só veio reafirmar tudo que sabia ou o que achava que sabia sobre ele: sua humilde genialidade.

Conheci os poemas e o poeta Manoel de Barros muito antes deste filme. Comprei uma penca de seus livros e emprestei vários e dei outros na minha ansia em repartir o belo. Não tenho um, sequer, hoje. Vê-lo na tv (Canal Brasil) me trouxe tudo de volta, a alegria da poesia pela palavra, o parque de diversão do verso, a construção só possível pela poesia pura e nada mais.

Por muito tempo andei divagando em constuções poéticas métricas que não me levaram muito longe. Manoel de Barros foi tão além que me emociono ao escrever sobre sua desconstrução. Mais uma vez fiquei surpreso com sua dedicação a poesia livre de amarras e fórmulas matemáticas, a poesia que pode voar pousar nadar ser, em função do belo.

“A poesia é o belo trabalhado” diz ele a certa altura do filme.

Manoel de Barros conta que “comprou seu ócio” para dedicar tempo integral a poesia. E explica que há várias maneiras sérias de não dizer nada, mas que só a poesia é verdadeira. Ou ainda que “tudo que não inventa é falso”! E isso junto a questão de que só viveu até hoje a infância nos faz reolhar o mundo. Ou melhor transver, como escreveu muito bem: “O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transvê o mundo!”

Mesmo escrevendo de forma completamente diferente do meu amigo e poeta Marlos Degani, lembrei deste várias vezes durante o filme, quando: “Me procurei a vida inteira e não me achei. Pelo que fui salvo!” ou ainda “A poesia é uma armação de palavras, com um canto dentro!”. E por aí foi.

Com imagens bonitas, quase somente giffs, com a narração do diretor, Manoel de Barros desfila simpatia e bom humor. O time de depoentes é bacana, destaques para a observação empolgante da jornalista Bianca Ramoneda sobre como o poeta nos dá a possibilidade de olhar as coisas com outros olhos, deixando o mundo imenso: “Isso é libertador!”, ou quando a escritora e roteirista Adriana Falcão diz que descobriu Manoel de Barros muito tarde, mas mesmo assim foi uma das coisas poderosas que aconteceram em sua vida, comparando o evento ao nascimento de seus filhos ou mesmo a morte da mãe.

Os personagens que alimentaram Manoel de Barros com suas histórias e suas incompletudes são um caso a parte. Como o faz tudo da fazenda Palmiro e o conhecido (para quem acompanha a obra do poeta) Bernardo, além de seu filho João de Barros que atirava pérolas para o caçador de incorreções. Stella Barros, sua esposa contando como descobriu que ele era poeta é um achado que me fez lembrar a crônica “Meio-Poeta” de Luis Fernando Veríssimo. Muito bom.

Tentei comprar o filme na Livraria Cultura, eles me garantiram por telefone que tinham o DVD e fui até lá. Não encontraram. Pedi então para a minha amiga Marina Gargantini baixar para mim. Ela baixou, mas não consegui abrir de jeito nenhum. A saída foi revê-lo em partes no Youtube o que fiz com prazer e deixo os links aqui para que vocês possam também saborear e quem sabe chorar com este documentário primoroso sobre um homem que nasceu com uma anomalia incurável: Nasceu Poeta!!! Boa sessão!

“O tempo só anda de ida
A gente nasce cresce amadurece envelhece e morre.
Para não morrer tem que amarrar o tempo no poste.

Eis a ciência da poesia:
Amarrar o tempo no poste.”

Manoel de Barros.


Site oficial do filme: http://www.sodez.com.br/

Fotos tipo as fotos do filme sobre Manoel de Barros

Em determinada parte do filme “Só Dez por Cento é Mentira” Manoel de Barros decreta que o poeta tem o dom de transformar as coisas. Ele acha isso uma disfunção cerebral, que o poeta não é um ser normal pois tem um olhar enviesado. Vidente. Vê coisas que não existem. Aí o diretor pega imagens de manchas em paredes e faz desenhos com as manchas. Como uma casa, um elefante, uma lata, um cachorro. Sempre vejo isso, geralmente vejo rostos em lugares inusitados. Seguem dois exemplos que fotografei.

Quando acordei vi esta imagem que era um rosto feito da coberta que havia jogado no chão durante a noite, pelo calor e era uma cara com boca aberta. Fotografei a cara e o bolo de coberta de frente (primeira foto).


O André Ribeiro (meu vizinho) chegou na minha casa, tirou a camisa e jogou no sofá. Como ela caiu eu vi o rosto e disse: "André, você está vendo a cara de um velho?" e ele: "Caraca! Estou!". Fotografei!

Memórias de Robson Luy I

Eu vi o velho
(ou Como vovô viu a uva)

Festa na casa da minha tia em Shangrilá. Eu tinha quatro anos e estava com meus primos brincando dentro da Rural do meu tio, na frente da casa. De repente, eles me disseram que o Velho do Saco estava vindo na esquina, me pegar. Me trancaram no carro e foram embora. Não é que o Velho do Saco vinha mesmo?! Todo sujo, carregando um saco de estopa naquela rua escura e vazia. Gritei, gritei, gritei tanto que mesmo com os vidros fechados e com o barulho da festa correndo solta lá dentro, todos vieram me acudir. Acho que até o mendigo que arrastava aquele saco se assustou. Meu pai me pegou e eu me acalmei. Afinal, estando com meu pai, que velho iria se atrever a chegar perto de mim?

Meu pai era o cara, sabia tudo, plantava, criava bichos, sabia juntar um tijolo com outro, tinha serrote, espingarda e era do Exército. Qualquer problema no bairro, podia ser de madrugada, lá vinha alguém no portão e gritava: “Seu Chagas! Seu Chagas!”

Uma vez, quando não sei o quê explodiu em Duque de Caxias, as pessoas foram parar a pé em Belford Roxo, andando pela rua. E lá em casa virou uma enfermaria, dizem meus irmãos.

Depois que ele saiu de casa, de vez em quando, minha mãe me levava no quartel e a gente passava o dia lá com ele. Foi num desses dias, de tarde, com a luz do sol entrando atravessada no quarto escuro do rancho onde ele ficava pra cuidar dos cavalos, que percebi umas rugas que ele tinha na testa e os pés-de-galinha em volta dos olhos. Eu pensava: Como é que ele deixou isso acontecer? Comigo não vai ser assim. Quando minha testa começar a dobrar vou esticar com a mão e impedir que fique marcada.

A última vez que vi meu velho ele já estava muito velho, ao lado de sua última esposa, e eu me indispus com ele por que insistia em propor uma negociação de divórcio furada para minha mãe. Acho que fui o único filho do Seu Chagas a ter coragem de enfrentá-lo desta maneira. A gente ficou de mal e nunca mais nos vimos. Isso foi há mais de 15 anos.

Outro dia o encontrei de novo. Foi de repente. As mesmas rugas na testa, os mesmos pés-de-galinha, o mesmo bigodão. O mesmo.

Quando ele começou a aparecer, fiquei preocupado com seu futuro e passei a pagar um plano de previdência. Fazia tempo que a gente não se via e era bom nos ver de novo.

Agora a gente se vê todos os dias, pela manhã, quando faço minha barba no banheiro e paro na frente do espelho.

Robson Luy Conhecido por suas performances irreverentes, o cantor performático tem em seu currículo experiência em rua, palco, cinema e teatro é formado em Artes Cênicas- Cenografia, Pós Graduado em Docência do Ensino Médio e Fundamental e trabalha com design gráfico.


DMV – Roberto Carlos





Não sei exatamente a faixa etária do público que lê o Zarayland. Deveria saber, mas não sei. Meu bom senso informa que a maioria deve ser de jovens, na casa dos 20/30 anos. Fato que justifica absolutamente o motivo deste DMV especial, por não ser de um disco especificamente, mas sim de uma trajetória. De Rei.

Costumo brincar com os meus amigos, geralmente em mesas de bar, e, nesta brincadeira, perguntar qual seria o brasileiro ou brasileira que causaria maior comoção nacional em caso de falecimento. Já ouvi de tudo: Renato Aragão, Pelé, Sílvio Santos, Xuxa, Lula (pelo menos enquanto presidente) e outros menos votados. Um dado que sempre me incomodava nestas consultas, é que nunca diziam o nome de Roberto Carlos. E, depois que todos se manifestavam, sempre coloquei (até porque é esta a minha opinião) o nome dele. Este fato foi chamando a minha atenção no sentido de observar que a obra do Roberto é de total desconhecimento desta rapaziada mais nova. Não se trata de tentar comparar, confrontar, enfim, de gerar conflitos. A intenção é apenas a de informar.

Bem da verdade, Roberto Carlos, a partir da década de 1990, ficou devendo muito à sua carreira. Discos abaixo da crítica, músicas ruins, aquelas capas iguais e nem de perto foi o Roberto Carlos de tantas e tantas canções inesquecíveis dos anos anteriores. E hoje, quem nasceu em 1990, já é uma pessoa formada com 22 anos. Portanto, as novas gerações não têm a menor noção do que representou o Roberto na vida da gente. Caetano Veloso, numa entrevista que deu quando completava 50 anos, disse que a gente tem de saber muito bem a quem chamar de Rei. Concordo inteiramente.

Não sou especialista em Roberto Carlos. Aliás, não sou especialista em nada nessa vida. Sou um poeta distante do poema e só. Acontece que a presença musical do Roberto em várias gerações de brasileiros (especialmente aos de meia-idade e mais velhos) é algo que impressiona. Vocês com menos de 25/30 anos não têm a menor idéia do que seja e do que representa o nome de Roberto Carlos para milhões de brasileiros, faço questão de repetir. Conheço várias pessoas que têm todos os discos do Roberto. Todos. E são muitos. Roberto completou 50 anos de carreira no ano passado. Meio século. O maior vendedor de discos da história fonográfica do Brasil. Caso você não conheça nada do Roberto, faça o seguinte teste: peça para o seu pai, para sua mãe ou para alguém que viveu a década de 1970 musicalmente que cantarole dez, isso mesmo, dez músicas do Roberto, assim, de supetão. A pessoa o fará, aposto com você. E não vai se demorar muito. Agora faça o mesmo teste com a mesma pessoa e mude a personagem da pesquisa; de lambuja, diminua também o número de canções para somente três e você perceberá que as chances de sucesso diminuirão mais de 95%. Pode acreditar...

Um artista com apelo popular igual ao de Roberto Carlos não vai aparecer de novo no Brasil. E por vários motivos. O principal deles é que a figura do famoso mudou sobremaneira. O que é ser famoso hoje em dia? Não sei ao certo, mas posso afirmar que a informação circula em profusão na internet e há vários nichos de grupos de interesse que sequer podemos imaginar.

Portanto, fenômeno igual ao de Roberto Carlos nunca mais. Discos vendidos como ele vendeu, também nunca mais. Legião de fãs e admiradores como ele, nunca mais. Comoção como a que ele causa até hoje, nunca mais também. Roberto é o último de toda uma época. De todo um processo que o país viveu nesses últimos 50 anos. Roberto Carlos encerra um ciclo de um tipo de artista que, como disse acima, nunca mais vai existir. Roberto Carlos é o único. Aproveite para conhecê-lo enquanto vivo e cheio de saúde. Caso tenha algum, livre-se do preconceito. Ele é brasa, certo, bicho? Morou?

Roberto Carlos e seu parceiro Erasmo Carlos formam a dupla de compositores de mais sucesso na história do Brasil (sempre tive uma impressão de que sem o Erasmo, o Roberto não seria o que é. O Erasmo parece ser aquela voz de equilíbrio, aquela medida de ponderação para se evitar os exageros e também o cara que escreve as letras, o que dá vida à canção e o que cria as imagens românticas). E são tantos! Tenho 43 anos e posso desfilar aqui um monte deles e que fizeram parte da minha vida: Que Tudo Vá Para O Inferno, O Portão, Jesus Cristo, O Homem, Café da Manhã, Cama e Mesa, O Calhambeque, Guerra dos Meninos, Eu Te amo, As Canções Que Você Fez Pra Mim, Fera Ferida, Como É Grande O Meu Amor Por Você, Emoções, Além do Horizonte, Amada Amante, As Baleias, Cavalgada, Detalhes, Outra Vez, Proposta, É Preciso Saber Viver... Tudo isso gente, é apenas uma parte do manancial. Duvido que você, mesmo novo ou nova, não conheça uma musiquinha sequer do Rei. Vai, confessa...

Roberto Carlos é o maior artista brasileiro de todos tempos. Dono de uma carreira de 50 anos e que passou por várias gerações de brasileiros. Por isso é Rei.

E devemos saber muito bem a quem chamamos de Rei, não é verdade?

(N.E.: Ousei em criar uma coletaneazinha com as 21 músicas sugeridas pelo Marlos e fiz até uma capinha, você baixa aqui ó: http://www.4shared.com/rar/9PYLs2dt/21_do_Rei.html)

Marlos Degani é poeta, cronista e colunista do site Baixada Fácil (http://www.baixadafacil.com.br/) tem um livro publicado “Sangue da Palavra” e um disco de poemas “Até Agora” lançados e vive tramando pelaí. Você pode conhecê-lo melhor em:

O poeta está no My Space http://www.myspace.com/marlosdegani
O poeta está no YouTube http://www.youtube.com (digitar Marlos Degani)
O poeta está na página do Desmaio Públiko do
Orkut http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=3247729
O poeta está no Baixada Fácil
http://www.blogger.com/goog_1741428297
O poeta está no Twitter @MarlosDegani