sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

DeFalla

Nos anos 80, em Nova Iguaçu, existiam duas boas lojas de discos. Uma era a Discorama que ficava ali na travessa Rosinda Martins ao lado da Ruíder quase em frente A Popular. Onde trabalhava o lendário Jorge e seu indefectível bigode. Ali chegavam as novidades, dava para gente conhecer as bandas. Era só pedir ao Jorge colocar na vitrola e ficar ali ouvindo e jogando conversa fora. Era um point para os amantes da música.

A outra era a Discoplay (do mesmo dono, eu acho) que ficava na galeria dos Classificados do O Globo. Esta galeria era alimentada sonoramente pelos discos tocados na Discoplay. As vezes, discos mais obscuros eram mais fáceis de serem encontrados nesta loja. A Discorama era mais ensolarada.

Esta foi a época que comecei a comprar discos. Discos de rock. Pop-rock é bem verdade. Meu primeiro LP foi Ultraje a Rigor: Nós Vamos Invadir Sua Praia com dinheiro que juntava e guardava dentro do livro O Falso Húngaro. Minha irmã Cláudia assinava a revista BIZZ - especializada neste segmento - onde eu descobria muitas bandas. Lendo muito sobre e ouvindo nada. Era curioso, tinham bandas que eu adorava, acompanhava sem ao menos tê-las ouvido uma única música. Coisa de pirralho!

Adorava ler as resenhas dos discos na seção Lançamentos. Fazia minha listinha e saía em busca, muitas vezes frustrantes. Numa dessas críticas li sobre o disco de uma banda Portoalegrense chamada DeFalla (nada a ver com o compositor espanhol Manuel De Falla), assinada por Arthur G. Couto Duarte, muito inspirada. Fiquei curioso demais e fui a caça. Em lojas de departamento era praticamente impossível um disco desses chegar. Ultralar, Lojas Americanas, Parque dos Brinquedos nem pensar. Fui logo na Discorama, mas não tinha. Jorge me disse: “Dá um pulinho na Discoplay que eu acho que lá tem”.

Tinha.

Mas antes solicitei a vendedora da loja, que colocasse no toca-disco, para eu ver se iria gostar. Quando começaram os primeiros acordes sujos de “Ferida” e os gritos ensandecidos de Edu K, a bateria rolo-compressor de Biba Meira a vendedora (diferentemente do Jorge, um conhecedor musical) veio me perguntar: “É assim mesmo?” e eu meio com vergonha, sei lá do que, só disse: “Põe a outra”. E a despiroquice sonora ia além! A vendedora arregalou os olhos e os transeuntes e toda a galeria ouvindo aquilo. “Pula”. Mais loucura ainda. “Próxima”. Doideira, sujeira, gritos. Ela apavorada! E eu: “Embrulha, vou levar”.

Hoje ouvindo, vejo que tudo é até bem light. Mas em 1987, acostumado a ouvir Legião Urbana e achando Cabeça Dinossauro dos Titãs um disco punk, era a coisa mais hardcore que eu havia escutado.

Como perturbei minha irmã Cláudia com o disco. Ela estudava para o vestibular, tadinha, e eu passava o dia ouvindo aquelas faixas maravilhosas que mudaram minha vida. E ouvia alto, muito alto. Era a coisa mais louca que eu já havia conhecido. Distorções, letras nonsense, ininteligíveis, misturando português com inglês, metal com hip-hop, Tim Maia com extintor de incêndio, samplers de falas de cinema, barulhos berros e distorções. Era o maior parque de diversões que meus ouvidos poderiam desejar. “Não Me Mande Flores”, “Sodomia” e “Sobre Amanhã” viraram clássicos da minha existência.

No ano seguinte o selo Plug colocou o segundo na rua. “It's Fucking Borin To Death” virou meu hit pessoal. O disco puxava mais para o hip-hop mas não deixava de ser intrigante. Uma cover de “Como Vovó Já Dizia” abria a porradaria. Mas o que prevaleceu neste disco foram as letras em inglês (inaugurando uma tendência que ficou over alguns poucos anos depois com um monte de bandas só cantando em inglês). Meus dias passaram a ser embalados por “I Have to Sing a Song”, “36 Ddonald Dicks” e “I Was Trying to Shoot a Gun”.

O DeFalla saiu do selo Plug, mudou de formação várias vezes, lançou uma penca de discos, mudou de estilos como quem muda de roupa e Edu K (o louco genial por trás do DeFalla) é o rei na mudança de roupas e personagens, antecipou movimentos que anos depois dominariam a mídia, fez sucesso com o Miami-bass “Melô da Popozuda” influenciou diretamente bandas como Pavilhão 9, Ultramen, Nação Zumbi, Pato Fu, Mamonas Assassinas, Planet Hemp e Marcelo D2.e hoje em dia anda fazendo shows com a formação original e com o repertório desses dois clássicos discos da minha vida. Pa-pa-pa-pa-party!!!!!!

Um comentário:

Denise disse...

Adoro essa sua curiosidade e busca, é por isso que você é esse cara inteligente que sabe conversar sobre tudo.
LOVIU!