quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Zarayland 22

Com escassez de tempo, mas cada vez mais delirante pelo Zarayland, escrevendo desesperadamente, publico para vocês mais uma edição. Uso este Blog não só para indicar as coisas que amo, registrar momentos especiais, mas sim, muito mais como um exercício de memória e por conseqüência como uma forma de enriquecer meus parcos conhecimentos sobre fatos, assuntos, obras que sempre estiveram ao meu lado de forma emocional e que para relatá-las me obrigo a mergulhos profundos em minha própria mente e em pesquisas pelaí. Agradeço o dia em que fui iluminado ou de loucura ao criá-lo! Apresento-lhes a última edição do ano de 2012. A Edição 22 que ficou assim:

1) Escrevi sobre o livro POEMA CAÓTICO, uma compilação realizada pelo poeta MODUAN MATUS com todos os exercícios criativos poéticos anárquicos, feito em anos de libação à poesia;

2) A Coluna MEU POVO desta edição foi escrita para uma das figuras mais controversas de Nova Iguaçu: o poeta DEJAIR ESTEVES. Aproveito para publicar algumas histórias narradas por pessoas próximas deste camarada;

3) A peça QUIXOTE, O DOM DA LOUCURA de 2001 de Luiz Vaz ganha as páginas do Zarayland por se tratar de uma das mais belas produções teatrais que esses olhos sagrados já registraram;

4) Falo o pouco que sei sobre um grande humano: ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO e deixo que vocês respondam a uma dúvida: Louco ou Gênio da Arte?

5) Termino (na falta reincidente da coluna DMV de Marlos Degani) com uma resenha sobre a história em quadrinhos “A Piada Mortal” de Allan Moore e Brian Bolland. Uma obra prima que preciso dividir com vocês!

Feliz por saber que sexta (14/12/12) viajarei para o Rio para passar o Natal com minhas filhas, irmãs e mãe. Esperando reencontrá-los em breve, cheio de novidades para 2013 e com fé que o mundo não acabará, despeço-me:

Um beijo, um queijo e um beliscão de caranguejo!

Poema Caótico – Moduan Matus

Lembrarei um dia quando foi que sugeri ao poeta Moduan Matus a idéia de compormos um poema em conjunto, onde ninguém soubesse o que o poeta anterior havia escrito?

Não me lembrarei também de que baú veio tal idéia. Sei sim, que minha não foi e que o Moduca já a conhecia de outros canaviais. Mesmo que fosse minha, preferiria deixá-la perdida a revelia no meio desta história regada a versos e a poesia.

Depois deste doido que vos escreve, o Moduan foi o poeta que mais vibrou com a forma anárquica daquela construção sem pé e nem cabeça. Como o – quase - anonimato dos versos esperava o próximo verso ou às vezes a própria conclusão tornavam a obra ao fim um enigma. E em como ele batizou tal exercício: “POEMA CAÓTICO”.

Lembro do poeta/arquiteto/cineasta Paulo Fonseca adorar o início de um “poema caótico” que comecei assim: “Minha querida cerveja” numa mesa onde se encontravam queridos amigos, poetas ou não, mas numa mesma vibe. Escrever poemas sem qualquer tipo de lógica, apenas no desejo maior de deixar o fluxo criativo ditar as normas do caminho a ser seguido como um rio que não se sabe bem onde vai dar.

Nunca gostei de horários, nem de em como um momento de paixão tivesse a obrigação de gerar um poema. Não. Meus versos brotam quando menos espero e por mais que eu pareça um poeta controlado, que meus poemas sejam feitos para agradar, nunca foi essa minha intenção! Na verdade nunca tive intenção qualquer que não fosse a do poema em si.

Começamos a desenhar versos como loucos onde quer que fôssemos. Moduan Matus começou a guardar esses poemas e nem percebíamos isso... E como um vírus, levou esse exercício para tantos lugares, sempre guardando cada nova criação “coletiva e sem sentido” que acabou editando num livro.

O compêndio é exatamente isso, a loucura criativa que nos movia e nos unia em noites bêbadas. Poemas dispostos em sequência, como se tudo que escrevemos fosse um só poema. Ele teve a paciência de pegar tudo que guardou em anos de construções insólitas num único livro com se fosse um mesmo poema. Juntou mais de 200 pessoas ou duzentos encontros num livro totalmente lisérgico e sem precedente.

Em determinados momentos da leitura chega-se até a encontrar alguns fios condutores, mas a grande maioria deste amálgama é na verdade um emaranhado de idéias que nem sempre se encontram em cruzamentos racionais e sim em casamentos instintintivos e vários.

Será que um dia responderei a pergunta que açoita minha cachola vez por outra? Porque o Moduan resolveu lançar um livro assim? Com tantos livros bacanas inéditos por aí, ele investiu seu tempo e dinheiro numa obra tão conceitual e tão difícil de ser compreendida?

Juro que não posso responder quando penso pelo meu umbigo! Mas posso responder quando penso como o vate. Que entende o POEMA CAÓTICO muito mais como uma parte da história de um grupo de poetas em plena atividade sísmica da criação do que só como um poema. Entende o livro como a fotografia feita com palavras por tanta gente que respirava o mesmo oxigênio viciante da poesia.

E aí tudo se explica e me faz lembrar de tudo outra vez...

Meu Povo: Dejair Esteves

Um passarinho interrompeu a música de Claúdio Nucci na primeira edição do Projeto Quinta 8:30h dos produtores Nelson Freitas e Silvério Lazaroni no hoje saudoso Esporte Clube Iguaçu acho que em 1990.

Este passarinho era um bailarino esquálido e tão ágil quanto estático. Um misto de bacurau (insistentes gorjeios noturnos), gato (contorcionismo e de astuta malemolência), anjo e demônio (suas feições teriam em mim naquela mesma noite os dois aspectos convivendo em harmonias sincopadas).

Sempre esbarrava com este poeta fortuitamente em momentos inesperados como devem ser encontros incandescentes.

Noutra feita, novamente num Quinta 8:30h – já no Teatro Procópio Ferreira, dentro do Colégio Afrânio Peixoto – fora proibida sua entrada. Não se proíbe a entrada de seres como Dejair Esteves. Evoca-se tempestade! Provoca-se vulcão! É melhor! Mas barrar um “dejair” jamais! Você estará despertando imensuráveis efeitos colaterais.

Mas, serpente prevendo o bote, esperou. O show era de Lô Borges, que interpelado - ainda na entrada - pelo simpático e franzino (quase meigo) sujeito, pedindo autógrafo e contando-lhe haver sido barrado, disse: “Você será meu convidado esta noite”. Triunfou! Deu para a gente ainda ver suas asinhas baterem excitadas no mesmo ritmo em que sua cauda - em forma de seta - sacolejava. Arrependido depois deve ter ficado o mineiro quando o passarinho cantou como nunca durante todo o show!
Grande poeta, gentil amigo quando não é detestável. Provocação é seu cognome. Questionar de forma não convencional, o mundo, seu papel. Não que cumpra ou siga um script, suas emoções do dia ditam suas ações. Você não sabe como o encontrará. Pacífico, super protetor. Demoníaco, auto-destrutivo.

Dejair Esteves é assim, imprevisível. Ou previsível até demais. É a dicotomia encarnada. Poderia gastar todo o celulóide virtual desta máquina e ainda assim teria histórias frescas para contar. Por isso vou deixar vocês com algumas dessas fábulas contadas por pessoas que as presenciaram. Roubadas de um tópico criado pelo cineasta Fábio Branco na Comunidade do Dejair no Orkut. Simbora:

Ele Não Largava o Osso
“Eram os últimos dias do bar do Daniel (uma das referências culturais da cidade). Faltava só um fim de semana para ser fechado e o performático lunático poeta das ruas tomou de assalto um caminhão de carne e pegou a parte traseira da carcaça de um boi, ainda com articulações. Eu não sei o nome exato, só sei que aquela ossada parecia uma gaita de fole. Era grande demais! Dejair adentrou com aquela estranha coisa e aí os senhores imaginem o alvoroço que foi... Dejair merece todo o meu respeito como escritor e grande amigo."
Naldo Calazans (Preguinho – Poeta e Animador Cultural)

Acha Que é Desenho Animado...
“Uma vez meu pai estava sentado na rua e viu uma carroça passando. Aí perguntou quem queria apostar que ele conseguiria correr e pular dentro da carroça - do desconhecido - EM MOVIMENTO. Claro que ninguém acreditou e apostou... Ele mesmo assim, tomou distância e saiu correndo, só que a carroça estava perpendicular a ele, nem preciso dizer né? Claro que ele pulou alto demais e caiu do outro lado, todo ralado e como se não bastasse o dono da carroça - achando que ele iria assaltá-lo, saiu correndo atrás dele para bater... Que figura!"
Pris Negra (Filha)

Dejair e o Robalo.
“Década de 80. Ali, onde hoje funciona o "camelódromo" de Nova Iguaçu. Aquele que começa em frente ao IERP e vai até a rua de pedestres, funcionava, antes, uma rodoviária, a Arruda Negreiros, de linhas de ônibus municipais. No meio dela existiam três ou quatro barzinhos quem ficavam 24 horas open. A turma da boemia, antenada a movimentos culturais, vez por outra assistia ao nascer do sol, acotovelada a um desses balcões. Numa dessas estadas, Dejair, assíduo no point quando em grupo, notou o movimento matutino de abastecimento do mercado de peixes, comum ali, devido à grande concentração de peixarias. No passa-passa de caixas de peixes, Dejair identificou uma caixa passando cheia de robalos. No mesmo instante disse: “Vou roubá-lo!”. Sumiu do grupo por minutos e quando o caminhão se retirou, ele voltou com um embrulho de jornal de baixo do braço. Lá estava o robalo reluzindo ao abrir o embrulho. Todos do grupo ficaram atônitos com a mirabolância do Dejair. Quanto ao peixe, ele passou a fazer parte momentânea do balcão do bar. Num pequeno espaço entre a beirada da pedra mármore e a estufa de salgadinhos, o que não demorou muito para incomodar pelo cheiro e pelo acúmulo de moscas, provocando a expulsão de todo o grupo dos “virados” da noite naquele dia."
Moduan Matus. (ainda tem mais um monte de histórias!)

Guarda Meu Chinelo aí!
“Certa vez, uma segunda-feira, estava eu dentro do ônibus da viação Brasinha (Nova Iguaçu/Jardim Tropical) voltando do trabalho, cansado e me curando da ressaca do fim de semana. Ônibus cheio e eu em pé olhando despreocupado a rua. Quando o ônibus parou em um ponto ali na Califórnia, perto do Chico Móveis (ou Bosh, não me lembro bem o que era na época) vi Dejair parado no ponto perturbando alguém. De repente me viu e pediu para eu descer, no que negativamente sinalizei, informando que estava cansado e de ressaca. Ele me ordenou que descesse ou iria invadir o busão e me tirar de lá. Todos já me olhavam e preferi sucumbir. Descendo eu - puto - disse que não iria beber e tal. E ele: "Eu vou rapidinho ali em casa e volto, só vou mudar de roupa e a gente bebe uma cervejinha só" e eu: "Se você, sair eu vou embora!" aí ele para me segurar, tirou seus chinelos Riders e disse: "Fica aí tomando conta" e saiu correndo descalço... Porra, peguei os chinelos dele e fiquei lá esperando. Passado um tempo voltou o Deja lindão. Elegantérrimo. Eu entreguei os chinelos para ele, no que ele me indagou: "O que é isso?" e eu "Teus chinelos, ora!" e ele me deixando mais puto ainda pegou e jogou-os no lixo. "Acabei de achá-los". Porra, só de raiva, bebemos até de manhã...”
Cézar Ray (Eu)

Novo Rio
“Eu e Angelúcia nos anos 80 estávamos indo para Friburgo e sem saber os horários dos ônibus. Chegamos na rodoviária à noite e só teria ônibus pela manhã. Jogamos as mochilas no chão e nos preparamos para passarmos uma péssima noite. Eis que aparece uma surpresa!! Sabe quem também chegou por lá?? Dejair Esteves!!! Puta merda! Foi uma noite daquelas! Bebemos todas, Dejair cantou, dançou "poetou" e encantou a todos que estavam por perto! Ah sim, ele também encheu o saco de muita gente. O início da viagem foi a melhor parte dela, pela inusitada presença do Dejair!!!”
Denise Pio (viajante)

Barrado... Não para Poesia
“Tenho muito respeito por esse poeta... Lembrei quando vi a foto de um fato que guardo com muito carinho. Daniel's Bar lotado, não sei por qual motivo o Daniel não deixava o Dejair entrar no bar. O grupo de poesia do qual ele fazia parte, não me lembro se era o Desmaio Públiko ou o Caco de Vidro, foi chamado ao palco. Alguns poetas recitaram e chegou a hora do Dejair. Ele não pensou duas vezes, num pinote subiu ao muro pelo lado de fora e numa pose emblemática começou a vociferar um poema de improviso: "Fiz poesia para as praças, e nada... Fiz poesia para os bares, e nada...", e continuou um poema-protesto que infelizmente não lembro completamente, uma pena, pois foi um dos melhores poemas que já ouvi recitado.”
Marcelo Bizar (Tecnólogo, humanista e sambista)

Quixote, O Dom da Loucura - Luiz Vaz

Quando eu era criança, meu pai comprou uma coleção de discos (compactos coloridos) com histórias infantis. Não existia ainda o advento do vídeo cassete e eu e minhas irmãs viajávamos naquelas narrações como se fossem filmes. Sim, livros existiam, mas mesmo meu pai sendo um grande amante deles, não sei bem o porquê não tínhamos muitos livros infantis. Talvez fosse pela questão financeira. Enfim, o que quero contar para vocês é sobre a minha história com a estória do Mágico de Oz.

Ouvindo, pirralho, aquele conto, imaginei todos os personagens em minha cabeça e nunca mais foram modificados. Claro que não é um dos trabalhos mais criativos imaginar um espantalho ou um leão, a Dorothy e seu cão. Mas o Homem de Lata... Ah esse sim. É só meu e de mais ninguém. Mesmo depois de anos, com filmes, livros que comprei para minhas filhas com suas ilustrações maravilhosas, o Homem de Lata do Mágico de Oz é o meu. O que imaginei com poucos anos de idade e ninguém tirará sua imagem de mim. E afirmo o quanto ele é muito mais bonito e gracioso!

Tudo que disse até aqui se justifica para falar sobre a peça “Quixote, O Dom da Loucura” dirigida por um dos grandes visionários que já tive a honra de conhecer: Luiz Augusto Vaz! Nunca li a obra de Miguel de Cervantes e nem adaptações que a valha. Assisti sim, desenhos animados e sempre soube da história, do nobre de meia idade que enlouqueceu e passou a viver a vida como um Cavaleiro Andante com a missão de salvar a doce Dulcinéia, perseguido por gigantes (moinhos) ao lado de seu inseparável escudeiro Sancho Pança, por osmose. Como se em meu DNA toda a saga deste cavaleiro já me habitasse.

Porém, conhecer de fato sua jornada só aconteceu comigo com a peça dirigida com maestria pelo já citado diretor, que generoso, adquiriu todas as colaborações de seus atores que levaram cada um, seu bocado quixotesco para o espetáculo. Ele foi meu norte e minha pousada para suas aventuras.

Seu primeiro elenco foi o melhor em minha opinião! Era composto pelo ator Marcos Serra (interpretando sublimemente e surpreendentemente o herói (leia mais aqui: http://zarayland.blogspot.com.br/2012/02/meu-povo-marcos-serra.html), Mariana Dias (como um Sancho Pança irônico, engraçado, apaixonante e ainda acumulou a função de narradora da saga), Élida Cândido e Josi Lozada (revezando em todos os outros papéis femininos da peça, como a sobrinha e a criada; como lavadeiras mendigas ou ainda como meretrizes em uma das cenas mais emocionantes da peça), Luiz Vaz (diretor, quebrando um galho como o Castelão, Médico e Amigo entre outros papéis que já não me lembro) e os músicos que criaram todo o clima do espetáculo: Cláudio Lyra (diretor musical e violão) e Rodrigo Wolverine (com sua flauta mágica).

Sua estréia num Café/Livraria/Teatro em Botafogo foi uma das melhores estréias que já assisti em minha vida. Arrancando duas vezes aplausos em cena aberta. Inesquecível a fogueira dos livros criada pelo Luis e pelo iluminador Arnaldo Costa Pano.

O cenário, mais um rebento do diretor que acumulou tantas funções quanto é capaz e tem talento para muito mais ainda, e que em outra oportunidade irei aqui relatar, era majestoso. Não por riquezas financeiras, mas sim por nababesca criatividade. Uma lua, seccionada em duas partes. Uma delas minguante e a outra a sua sobra, quase uma lua cheia que possibilitava a mutação do cenário durante a peça. Coisas que mesmo explicando aqui em palavras, emoções ou matemática falharia desgraçadamente.

Uma obra de arte azulejada e com movimentos perfeitos, que hora virava o portal de uma vila, hora uma fonte, hora levava a narradora a lua, hora era o esquife do De La Mancha. Montar cada cena usando seus improváveis movimentos, mais que árduo, penso que, deve ter sido um trabalho de prodigioso criador. Creio cá comigo que o Luiz incorporou o Quixote que existe nele para nos propiciar o inesperado.

Figurinos deslumbrantes, sacações de palco antológicas, atores afiados entre si, texto azeitado com o melhor do humor, a doçura da poesia e a dor do drama excruciante. Um final apoteótico que tenho pena de contar aqui, pois não quero estragar uma futura possível reencenação – que acho muito válida visto que se comemora – já - uma década de sua primeira apresentação, fizeram desta, uma das melhores peças que já assisti.

Por conta dela, viajei no histórico ônibus FREE DANCE para o Festival de Teatro de Curitiba, onde precisei ser o iluminador a pedido do meu amigo Luiz Vaz, já que tinha assistido umas trocentas vezes e sabia cada fala e cada entrada de atores em cena. Graças a ela pude ver como uma peça pode funcionar de formas completamente diferentes com um elenco ou com outro, ainda que tudo seja igual, menos os atores.

Através desta obra-prima eu voltei a acreditar no teatro “amador” no sentido de amar, de se dar/doar a um projeto. Com entrega, participação, amizade, qualidade, troca, empenho, aprendizado, criação coletiva, diversão, improviso, união. Por fim, acreditar que o Teatro é muito mais que a apresentação, o Teatro é a construção!

Assim, posso afirmar para vocês o seguinte: mesmo que nunca tenha lido o clássico de Miguel de Cervantes y Saavedra, me dou por satisfeito. Pois Dom Quixote para mim, assim como o meu Homem de Lata do Mágico de Oz, será para sempre o do “Quixote, O Dom da Loucura” de Luiz Augusto Vaz e companhia e isso tudo me basta e me orgulha demais!

Arthur Bispo do Rosário

Como toda pessoa que gosta e acha que produz arte, já caí na esparrela sem fim, de tentar explicar o que é ela de fato. Acho que todos nós somos acometidos por esta dúvida. Por que pode não parecer, mas tomar postura definitiva sobre ARTE é mais difícil que assumir religião, time ou partido político.

E não estou aqui para definições, pelo contrário! Vivo nesta lida, me embrenho na seara que acredito ser arte, mas não me atrevo a defini-la. Queria que este texto fosse escrito pelo André Eira ou pela Aline Corssais, mas o primeiro anda muito ocupado esculpindo majestosas esculturas para o próximo carnaval no barracão de alguma escola de samba do Rio e a segunda está de férias no Caribe. Sobrou para mim!

E fui escolher logo um “artista” que nunca foi “artista” ou sempre foi. Seu nome: Arthur Bispo do Rosário. Diga aí você, onde fui me meter! Assim que vi suas criações fiquei tão bobo e com tamanha inveja que nem me preocupei em saber quem era ele. Sempre acho que EU é quem deveria ter sacado, ou feito certa coisa primeiro. Eu quem deveria ter escrito tal texto, eu quem deveria ter feito tal pintura. Como se o mundo orbitasse em meu umbigo.

Quando soube da verdadeira história de Bispo do Rosário foi como se todas as discussões que já havia feito em mesas de bares, sobre arte, fossem por água abaixo! Por outro lado me libertei de muitos paradigmas sobre ela.

Arthur Bispo do Rosário jamais poderá ser definido ou catalogado nem como artista e nem como louco. Sua obra instintiva quebra tudo que já respeitei didaticamente. Desmonta o aprendizado acadêmico e me leva para outros lugares inusitados da alma. Depois dele, continuo admirando artistas como Raimundo Rodrigues, Deneir, Júlio Sekiguchi, Jarbas Lopez, entre outros amigos, mas alguma coisa se perdeu. Ou melhor, alguma outra coisa me ganhou.

Como é que uma pessoa se tranca durante sete anos em sua cela e produz uma obra tão bela e tão coerente? Como peças de uma sensibilidade extremada podem apenas ser objetos de uma paranóia? Como diferenciar o que foi gerado racionalmente ou “sensivelmente” e o que foi gerado com propósitos aquém da arte? “O que faço não é para mim e nem faço com gosto, faço porque sou obrigado. Porque este é minha missão e o sentido da minha vida”.

Nem nas maiores discussões sobre arte em nossas “Cervejas Filosóficas” no bar Raízes, alguma coisa foi tão poderosa assim. Que marchand, sem sabê-lo “um louco obrigado a registrar o mundo em miniatura”, diria que não há arte ali? Com traços sofisticados e vanguardistas?

Ok. Não estudei a sua vida nem sua obra para conhecer o que os estudiosos dizem sobre sua obra.

E não quero mais me aventurar por aqui...

Prefiro deixar para os verdadeiros críticos, porque eles sabem definir bem e discutir sobre Arte, eu não. Eu vou por outro caminho. Sofrendo, gargalhando, rindo, chorando em expressões indefinidas, que é o que sei fazer melhor.

O mundo com outros olhos. Desacostumando com o que aprendi. Exprimindo sentimentos e viagens sem qualquer tipo de sabedoria sem nunca provar se quer uma pitada de certeza. Somente experimentando o sabor da dúvida. Diferentemente de Arthur Bispo do Rosário!

Arthur Bispo do Rosário II

Sergipano de Japaratuba, apesar de oficialmente ser de 1909, provavelmente era de 1911. Era comum a omissão da idade real para se passar por mais velho e assim ingressar nas Forças Armadas.

Arthur foi para o Rio de Janeiro e virou marinheiro (marcante passagem que o fez conhecer muitos países e é a referência mais presente em sua obra) e depois trabalhou na Light e em “casas de famílias”.

Na noite 22 de dezembro de 1938 disse ao patrão, o advogado Humberto Magalhães Leoni que iria se apresentar à Igreja da Candelária, pois era “O Salvador”. Peregrinou pela rua Primeiro de Março e por várias igrejas do centro do Rio. Por fim subiu ao Mosteiro de São Bento e anunciou aos monges que era um enviado de Deus e que viera para julgar os vivos e os mortos no dia do Juízo Final.

Fichado e preso como louco, foi enviado primeiro ao Hospício dos Alienados da Praia Vermelha e transferido, um mês depois, para a Colônia Juliano Moreira em Jacarepaguá sob o diagnóstico de "esquizofrênico-paranoico” onde passou mais de 50 anos internado se recusando a ser medicado até a sua morte.

Um dia resolveu se trancar em sua cela e realizar o que “as vozes o mandavam”. Recriar o mundo, ou registrar o planeta em miniatura, o que fez com árdua determinação durante sete anos.

Foi revelado numa matéria para o Fantástico em 1980 pelo jornalista Samuel Wainer Filho (filho do célebre fundador do Jornal Última Hora, Samuel Wainer e da colunista Danuza Leão e criador da Rádio Fluminense “A Maldita” com Luiz Antônio Mello) que faleceu, ainda, antes de Bispo, em 1984 num acidente de automóvel.

A partir daí Bispo passou a receber visitas de estudiosos, que descobriram na loucura de sua obra, um universo artístico tão rico e incomum que passou a ser respeitado como um dos principais artistas de vanguarda de nossos tempos. Ainda assim, sempre se recusou a sair da colônia.

Uma de suas obras mais emblemáticas é o seu “Manto da Apresentação”, que deveria ser usada por ele no dia do Juízo Final, uma entre tantas peças que figurou como estrela principal da 30ª Bienal de São Paulo entre tantas exposições pelo Brasil e pelo mundo.

Arthur morreu em 1989 sem nunca aceitar o título de artista. Morreu como um enviado de Deus, satisfeito por ter cumprido a missão que lhe fora designado!

A Piada Mortal – Allan Morre e Brian Bolland


Em 1986 Frank Miller recolocou Batman em seu devido lugar, como um dos heróis mais querido e respeitado do mundo, com dois clássicos dos quadrinhos: “O Cavaleiro das Trevas” em que tanto escreveu o argumento (sim, não sei hoje, mas os roteiros chamavam-se assim) como desenhou magistralmente o retorno do personagem, lá, já idoso e sem tanto acreditar no bom-mocismo, um Batman quase sem pudor. Até cruel. Um livro que marcou não só o seu retorno como também a minha volta ao mundo das HQs. Na sequência, com desenhos primorosos de David Mazzucchelli, escreveu “Batman: Ano Um”, onde ao contrário do “Cavaleiro das Trevas”, contou a história de como Bruce Wayne se tornou Batman. Pode ser considerada, também, como a Graphic Novel do comissário James Gordon.

Dois clássicos indiscutíveis desta fase tão profícua de Frank Miller.

Mas ninguém esperava que, correndo por fora, dois anos depois o roteirista eremita britânico Allan Moore ao lado do desenhista Brian Bolland trouxesse ao mundo outro “ano um”, mas não do herói e sim de seu arquiinimigo: O Coringa no clássico “A Piada Mortal”.

Usando também James Gordon como “coadjuvante principal”, a história gira em torno de seu seqüestro depois que sua filha foi baleada em sua própria casa, onde o vilão tenta provar que qualquer um, até o cidadão mais exemplar pode, de uma hora para outra, enlouquecer. Bastando para isso, uma sequência de infelicidades em um dia ruim.

Entrecortada por flashesbacks da contando seu próprio “dia ruim” onde descobrimos como tudo começou, onde e porque o comediante fracassado se tornou o vilão mais cruel da história do mundo dos quadrinhos e de onde veio todo seu ódio pelo vigilante mascarado.

Diferentemente de Frank Miller que usou uma linguagem cinematográfica para narrar suas histórias, Allan Moore se valeu da psicanálise, da filosofia e da literatura para construir uma história tensa, cheia de questionamentos que muitas vezes nos faz criticar a sociedade e a nós mesmo, humanizando o vilão e até criando aceitabilidade pelas suas idéias. Legitimando certas ações.

Cada vez mais, ao escrever no Zarayland resenhas de filmes ou livros me pego com uma vontade danada de revelar tudo de fantástico que encontro em suas nuances, mas me seguro, não quero estragar a possível busca de vocês, leitores, pelas obras narradas com paixão por mim e prefiro deixar que através desses textos que escrevo, vocês mesmo procurem e tirem suas próprias conclusões e saboreiem a obra plenamente.

A “Piada Mortal” é triste, contemplativa, violenta, questionadora, densa, agressiva, melancólica e emocionante. Lembro-me de fazer uma relação direta com umas das cenas finais do filme “Blade Runner” de Ridley Scott, onde o replicante interpretado por Rutger Hauer declama um lindo texto antes de ser extinto. Mais uma cena antológica que guardo com muito carinho dentro deste meu cabeção.

“A Piada Mortal” é um dos melhores quadrinhos de Allan Moore e por que não dizer de todos os tempos. Uma HQ que só veio a corroborar o encanto que Batman e seu universo continuam a exercer até hoje. Uma obra-prima que merece ser garimpada, lida, analisada, admirada e curtida quadro a quadro.

Uma HQ que tirou definitivamente os quadrinhos da pecha de literatura menor e a elevou ao status de arte!

sábado, 27 de outubro de 2012

Zarayland VINTUM!

Tive no Rio no fim de setembro e cada vez mais eu sei, a Baixada Fluminense corre em minhas veias e não há como fugir! Minha vida está ali. Fui feliz e sou sabendo que minha terra é lá. Nesse fim de semana rápido (cheguei na sexta e voltei no domingo) fiquei com minha filhas, irmãs e mãe. Mas também vi meus amigos, irmãos e tudo isso me deixou muito feliz. Sabadão d sol em Recife e eu aqui no computador acabando esta edição do Zarayland que ficou assim:

1) UMA NOITE EM 67 é um filme que vi no Canal Brasil e me deixou de queixo caído! Deixo o link do Youtube para vocês verem se eu exagerei ou se mandei bem!

2) Na minha curta estadia no Rio, pude ir ao SARAU DONANA, em Belford Roxo e voltei a respirar. Poesia. Hoje a noite tem mais e são vocês que vão decidir se vale a pena ou não respirar. Eu acho que é imprescindível!

3) Coluninha básica, MEU POVO, com o poeta SYLVIO NETO. Uma crônica sobre um furacão que me dá mais força para continuar em minhas pequeninas guerrilhas.

4) O BURACO VIRTUAL DO DESENROLO FILOSÓFICO tira o pé do freio e publica um conto longo do poeta BRENNER OLIVEIRA. E se ousei publicar um conto tão grande, minha gente, é porque é filé mingnon. Produto da mais alta qualidade!

5) O véio Degani, faiô, não me enviou o DMV desta edição, para não me fazer de rogado, publiquei a coluna em seu lugar e falo do disco que ele lançou em 2009. “Até Agora, poemas de Marlos Degani de 1992 até 2008!”. Vale uma espiada e uma ouvida!

E assim ficou o Zarayland. Um periódico nem tão certo assim, mas cheio de amor para dar!

Um beijo, um queijo e um beliscão de caranguejo!

Cézar Ray

Uma Noite em 67


O poeta Marlos Degani sempre, em nossas reuniões, nos pergunta: “E quando esta geração morrer? Gil, Caetano, Chico, Roberto? Como vai ser?” Eu sempre achei um tanto exagerada esta preocupação de meu amigo. Afinal, os grandes da minha geração já se foram há tempos. Renato Russo, Cazuza, Chico Science. Então, para mim esta pergunta nunca teve tanta relevancia.

Acabei de ver o filme “Uma Noite em 67” no Canal Brasil e fiquei muito emocionado e dei muito mais valor a pergunta insistente do poeta.

O filme (segundo seu próprio slogan: sobre um festival que revolucionou a música brasileira), trata-se de um documentário que conta a história daquela noite histórica em que – hoje – grandes da MPB se aprensentaram numa noite emocionante no Teatro Paramount (ou da Record, hoje Abril) no dia 21 de outubro de 1967.

Ver os depoimentos hoje em dia dos personagens envolvidos, mesclados com seus depoimentos captados na própria data é de uma emoção féuladaputa!

Assistir aos depoimentos sobre uma passeata contra a guitarra elétrica, como se ela fosse o agente americano do mal, é olhar a ingenuidade que persegue até hoje alguns xiitas de nossa cultura!!!

Sérgio Ricardo sobre uma torrencial vaia, querendo enfrentar o público que cada vez reage pior ao seu discurso provocativo, inclusive não permitindo que ele consiga se ouvir, tendo um final decisivo para sua carreira ao quebrar o violão no palco. Decisivo, pois naquela época a Record mandava na mídia.

Gravadoras, programas de auditórios (musicais) e os próprios músicos tinham vínculos com a TV. É uma história que merece um capítulo a parte, mas ver seu depoimento – do Sérgio – hoje é fundamental!!

Chico Buarque aos 23 anos (todos estão na faixa dos 20 e poucos anos e todos já tinham cara de velhos como todo mundo tinha antigamente) mais tímido que hoje acaba uma entrevista com a frase – sorrindo: “Estou meio atrapalhado para responder esta pergunta” é impagável. E ainda melhor vê-lo dizer que Caetano afirma que ele esteve em várias reuniões para discutir – não a criação da Tropicália, mas sim de – uma nova forma de se fazer música no país e que em todas as reuniões ele estava bêbado, por isso não se lembra. É demais!

Assim como é demais ver o diretor da Record afirmar que manipulava os festivais. Não com os resultados, mas sim influenciando o público forçando personagens. Como num Telecatch. Manequeísticamente. Incitando a criação do mocinho, do bandido, do pai da mocinha, da mocinha.

Falar mais do filme é tirar mais prazer que já tirei. Deixo aqui somente a dica para vocês. Peguem este filme. Deve ter como baixá-lo. Assistam e conheçam parte da história da música brasileira. Que jamais morrerá. Mas como questiona muito bem meu amigo Marlos Degani, seus personagens uma hora deixarão de estar entre nós, e aí como é que vai ser?

Sarau Donana

Eu, Jr. Blue e Alcides Eloy montamos - certa feita - um grupo de poesia dentro do grupo Desmaio Públiko. Decúbito Dorsal era o nome do danado. Saíamos procurando lugares que tivessem algum movimento cultural para atacarmos, com nossos poemas irreverentes ou patologicamente apaixonados. Um desses locais virou a nossa casa. Este lugar era o Centro Cultural Donana na Piam, por volta de 1994.

Conhecíamos a história do local como o berço do reggae e naquela época era comum encontrar por lá os integrantes do Cidade Negra, KMD-5 (na verdade a casa do Dida Nascimento e do Marrone, integrantes da banda). Conhecemos também os rappers Nino Rap e Ed Mc, sua namorada na época, que tinha um grupo de dança afro, lindo. A capoeira com o mestre Monstrinho (um cara gigante forte que só) que as vezes jogava com uma menininha de uns 5 anos. Dava medo!

E nós do Decúbito Dorsal ao lado do poeta Raimundo e de outro que esqueci o nome, declamávamos versos e paixões.

Depois a Dona Ana (mãe dos meninos e inspiração para o nome da Centro Cultural) nos deixou e ficamos também órfãos do espaço e dos eventos. Nesta época também o KMD-5 havia mudado de nome e virado o Negril e começado a excursionar pelo o Brasil, aparecer na MTV e tal.

Surpresa foi há pouco tempo acompanhar a reabertura do espaço com o CineRock entre outras atrações. O Sarau Donana realizado pelo Coletivo Pó de Poesia, lançando o fanzine Entrelinhas, aglutinando os grupos e movimentos poéticos que começaram a pipocar nos novos tempos, tornando o sagrado espaço em profano!

Tive, não a oportunidade, mas sim, o privilégio de estar no Rio no último Sarau (29/09/12). Privilégio, porque foi um daqueles momentos em que a emoção comunga com a razão. Estar ali, ao lado de Ivone Landim, Dida Nascimento foi como a realização de um sonho antigo. Rever o poeta Euclides Amaral com mais gás que antes, quebrando tudo numa apresentação arrebatadora, o poeta Idicampos (Colinha) declamando magistralmente seus versos e o poeta Naldo Calazans (Preguinho) inspiradíssimo participando performaticamente de cada apresentação, não teve preço.

Como não teve preço também o pocket show acústico do Seu Mathias e Panela Zen me surpreendendo com músicas maravilhosas, letras bem sacadas, banda azeitadinha e som da melhor qualidade.

Certa hora da noite mágica a Ivone Landim me convidou ao palco e fez uma belíssima homenagem ao Desmaio Públiko e ao poeta aqui tagalera. Chorei. Choramos de alegria de nos sabermos amigos, poetas, admiradores, comparsas, cúmplices da poesia que nos regeu sempre e que nos guia ainda pelo caminho do amor.

E ainda teve o Maurício Galo e sua voz linda emocionando a todos, André Luz arrebentando a percurssão em uma Jam fodaça com Dida e Preguinho (tocando instrumentos invisíveis), a poeta Camila Senna, o Grêmio e Futebol Clube dos meninos do bairro regidos por um maestro/técnico emocionando a todos.

Teve o rapper e poeta Slow DaBF, o poeta Vicentinho, os poetas do Pó de Poesia (ausência marcante do poeta Marcio Ruffino), o saxofonista solitário arrancando lágrimas, a Cássia fotografando tudo, a poeta Luisa Rodriguez, segura e certeira como sempre e só não sei como terminou aquela noite porque fui embora com o Euclides Amaral para Nova Iguaçu deixando a noite um pouco mais cedo, mas já grato por ter vivido aquelas horas de oxigênio como há muito não vivia.

Hoje vai rolar de novo e infelizmente não poderei estar em Belford Roxo, mas insisto para que quem puder ir até a Piam, não deixe esta oportunidade passar. Afinal, a noite contará com uma homenagem aos poetas Marlos Degani e Jorge Cardozo e o show será do Maurício Galo lançando seu lindo disco Asfaltando Dor Pequena. Vai ficar de fora, Mané?

Meu Povo: Sylvio Neto


Em um mundo perfeito não existiria lugar para um cara como Sylvio Neto. Sylvio é dedo na ferida, poeta alucinado, amoroso ao extremo, o caos!

Em um mundo perfeito, todos seriam como Sylvio Neto com seus pecados e erros, sua amizade e generosidade, sua irresponsabilidade e preocupação, suas aparições surpresas e seus sumiços já esperados.

Sylvio não é poeta somente. É a própria poesia e seus desvãos. Enigma e cara de pau. Ingênuo como uma criança. Sábio como um ancião. As vezes é o próprio poder, outras sente medo até de sua própria sombra.

Conheci Sylvio ainda na época do Daniels Bar, ou foi no Donana, não me lembro. Sei que era rasta e tinha uma banda chamada Postura Africana. Anos se passaram, virou meu vizinho no Monte Líbano, amigo.

Feliz, ajudei (ou como ele próprio diz: Apadrinhei) sua empreitada poética no “Poesia na Varanda” com Roger Hitz. Declamei, ajudei a apresentar (ele sumiu no meio do evento) e passamos a conviver e nos ver com mais frequência.

Sylvio Neto publica o blog Choppinho Digital onde explode sua idéias sobre o mundo moderno, critica, elogia, ama de paixão arrebatadora, odeia, toma partido, segura a onda, some, declara guerras, procura a paz e nunca a encontra.

Vive com a pessoa mais perigosa do mundo: Ele próprio. Não tem idéia do tamanho que ocupa no mundo. Não faz idéia de sua importância num mundo sem sentido como o que vivemos. É amado por milhares e odiado por alguns. E todos tem razão. No amor e no ódio!

Ele é que não tem esta tal fulana Razão, ao seu lado. Vive com a Paixão. E Paixão é bicho indomável. Sem amarras e sem destino certo! Vive sobre o signo e regente Sylvio Neto. Mesmo que influenciado totalmente pelo lado de fora é seu mundo interior que faz dele este ser sigular.

Um guerreiro que usa a pena de forma visceral, por isso tantas vezes atinge o alvo com precisão cirúrgica e em outras erra feio e acaba por atingir inocentes sem querer. Aí pede desculpas e mesmo perdoado, nunca mais se perdoa. Fica ruminando culpas e dores. Ainda que tudo já tenha sido esquecido, nele jamais uma dor passada, passa.

Sylvio Neto é um símbolo da poesia violenta e que não faz concessões. Amo este cara como um fã ama um ídolo. Como um pai ama um filho. Como um filho, seu pai. O mundo perfeito não existe, mas Sylvio Neto existe para provar que a possibilidade de um mundo, ao menos melhor, pode existir. Com suas dualidades, diferenças e dicotomias. Sou admirador de todos os Sylvios que existem em guerra dentro daquele ser maravilhoso! Evoé Poeta!!! Você tem um lugar único no mundo que vivo: Meu Coração!


Buraco Virtual do Desenrolo Filosófico

Espelhos Divergentes

Cheguei à capela 03 do São João Batista às seis e vinte da manhã. Fui o primeiro a chegar. No corredor, somente umas três ou quatro sonolentas testemunhas da capela vizinha que passaram a noite no cemitério. Dei um ‘bom dia’ silencioso a elas meneando a cabeça e esperei o zelador subir com a chave.

Deixei minha mulher com as crianças (que não são mais crianças: o mais novo tem 19 anos e a mais velha 24, mas ainda não acostumei a chamá-los de outra forma) em casa, tomando café da manhã. Eles estranharam minha pressa e tentaram me demover da idéia de vir sozinho – provavelmente pensando que eu ainda estivesse em choque por causa da notícia – mas eu estava convicto.

A morte de Claudio certamente foi um baque – ainda mais porque ele não dava notícias há pelo menos oito anos. Desde que se mudou para Brasília o contato com a família foi ficando cada vez mais esparso até se esgotar por completo.

O responsável pela capela veio abrir a porta com o livro de presenças debaixo do braço: um caderno de capa de plástico verde musgo, com poucas folhas, que foi deixado à entrada.

Olhei a esferográfica pousada em cima do caderno, mas não tive ânimo de pegá-la.

Mas ela me sorria, atraente, tentando me dar um tiro certeiro. Seduzia-me em sua nudez. Dei de ombros.

O zelador abriu a enorme janela de alumínio e por trás do vidro canelado surgiu uma paisagem feia de túmulos de concreto. Como que para compensar a vista, uma agradável brisa matutina veio refrescar o recinto.

O caixão estava à mesa, fechado. Aproximei-me dele vagarosamente e com certa dificuldade, como se estivesse andando sobre areia movediça. Inclinei-me sobre a abertura de vidro da tampa e lá estava Claudio. Meu irmão gêmeo.

Era uma sensação quase irreal ver meu irmão daquele jeito – o rosto emoldurado por pétalas brancas, pálido, inexpressivo. Morto.

Por um instante não o reconheci. Ver Claudio sempre foi como observar minha própria imagem no espelho: somos (éramos) gêmeos idênticos, univitelinos. Até nossa mãe tinha dificuldade em nos diferenciar. Agora Claudio parecia um boneco de cera, uma cópia malfeita do homem que eu conheci durante minha vida toda. Era um estranho para mim.

Pela primeira vez em 56 anos, senti-me completamente só.

Claudio sempre foi o rebelde da família; já para mim sempre coube o papel do conciliador, o filho responsável. Era uma piada interna de família dizer que “Claudio e Daniel eram os gêmeos idênticos mais diferentes do mundo”. E a graça residia exatamente na nossa impressionante semelhança física; somos (éramos -- tenho que me acostumar a conjugar esse verbo no passado) tão parecidos que chegamos ao cúmulo de possuir até mesmo uma cicatriz idêntica logo abaixo do queixo. Foi assim:

Aos três anos, estava eu correndo pela casa quando caí de queixo no piso recém-encerado, abrindo um corte feio de mais ou menos três centímetros; Dois dias depois, tomando banho, Claudio escorregou na banheira e cortou-se exatamente da mesma forma que eu.

Esse acontecimento virou lenda na nossa família – até hoje contam o episódio como sendo algo de natureza mística, uma espécie de prova do elo sobrenatural que une os gêmeos. Quanto a nós, nos limitávamos a rir dessas explicações tresloucadas que as pessoas inventavam para algo que nos era tão natural.

A única característica que realmente nos diferenciava era o fato de eu ser destro e Claudio, canhoto. Talvez esse detalhe tão simples tenha sido o fator que mais nos diferenciou e que passou despercebido por todos durante toda nossa vida.

Relembrando os acontecimentos, vejo que isso foi algo que realmente foi determinante para a nossa separação. Até os cinco anos mais ou menos nós éramos praticamente siameses, vivíamos quase que literalmente grudados, fazendo tudo juntos -- como nos clichês dos filmes americanos, onde um gêmeo pensa o começo da frase e o outro a termina.

Isso começou a mudar quando entramos no colégio apesar de estudarmos na mesma classe, lembro que foi durante a alfabetização que o nosso processo de separação começou a acontecer, fomos gradativamente perdendo essa ligação e nos tornando indivíduos pela primeira vez.

Lembro da minha facilidade em aprender a escrever, aprendendo os fonemas e praticando as letras com afinco no meu caderno de caligrafia. Já Claudio teve muita dificuldade, justamente por ser canhoto: as professoras não possuíam a pedagogia de hoje e achavam que o correto era aprender com a mão direita – portanto o forçavam a esquecer a mão dominante e escrever com a outra mão. O resultado foi obviamente catastrófico: Claudio via meu progresso e se frustrava, já que não conseguia escrever como eu. Isso foi traumático para ambos, pois isso nos mostrou que apesar de nossas semelhanças, nossas capacidades não eram iguais. Mas foi muito pior para Claudio, que se sentiu inferior a mim por ter uma letra feia e não ter a habilidade de escrever com a mão direita.

Após poucos meses Claudio conseguiu aos trancos e barrancos elaborar uma caligrafia passável com a mão direita (nunca foi bonita) e isso não foi mais problema durante o primário. No final da terceira série haviam o deixado em paz e ele finalmente pôde escrever com a mão esquerda, o que foi uma libertação -- O resultado dessa história é que ele se tornou ambidestro.

Mas as cicatrizes da alfabetização (e a evidência de que éramos diferentes) ficaram.

Provavelmente ter sido forçado na infância a alterar uma função que lhe era natural, Claudio desenvolveu uma rebeldia que na época nenhum de nós entendia a razão, mas hoje eu compreendo perfeitamente.
Casei só uma vez, estou casado há 28 anos com a mesma mulher. Bebo moderadamente, fumo um maço de cigarros por dia (tentando parar há 4 anos), sou funcionário público à beira da aposentadoria, renda estável, pecúlio garantido para esposa e filhos, tentando controlar meu colesterol e meus triglicerídeos para tentar prolongar essa minha vida estável, calma e sedentária.

Esse sou eu, Daniel, o destro. Sempre levando uma vida direita - destra.

Claudio se casou três vezes, não teve filhos. Fez quatro anos de faculdade de medicina quando decidiu largar tudo. Nossos pais quase o deserdaram quando ele resolveu tirar um ano sabático para viajar pelo Brasil – ano sabático que durou praticamente sua vida inteira, já que nunca mais voltou. O plano de conhecer o Brasil durou somente 2 semanas, pois chegando em São Paulo Claudio sacou o dinheiro guardado na caderneta de poupança para comprar uma passagem para Londres.

Ficou na Europa durante 12 anos, trabalhando nos empregos mais humilhantes que se possa imaginar, daqueles que são reservados somente a imigrantes. Durante esse período eu era a única ponte entre ele e meus pais, já que eles se recusavam até mesmo a falar com ele pelo telefone (com certeza por medo de fraquejarem e implorarem para que ele voltasse logo).

De volta ao Brasil, apresentou um portfólio de retratos em uma redação de revistas carioca e a partir daí virou fotógrafo. Ganhava fortunas com um trabalho e depois ficava meses na miséria por conta de calotes - e também por não saber cuidar das finanças. Portanto, sua rotina era ficar alternando entre o luxo e a pobreza várias vezes ao ano.

Mas nunca ligou para dinheiro, já que o serviço proporcionava o que ele mais gostava de fazer, que era viajar.

Esse era Claudio, a ovelha negra da família. O errado, o canhoto.

Estranho como as mais simples escolhas nas nossas vidas determinam todo nosso destino. É assustador pensar que a forma de escrever possa mudar completamente nosso comportamento, nossa forma de pensar, de agir.

Será que se eu fosse forçado a escrever com a mão esquerda meu destino seria diferente? E Claudio? Seria diferente se não tivessem forçado a mudar sua natureza?

Acredito que sim. Tenho provas disso. Mas isso é uma convicção empírica e pessoal, não quero nem posso convencer ninguém disso. Nunca conversei com isso nem com minha esposa – ela apesar de me amar muito, não entenderia. Existem coisas que vão conosco para o túmulo.

Meu irmão está morto. Metade de mim será enterrada naquela caixa de madeira daqui a algumas horas e eu sinto como se tivessem colocado uma pedra de concreto pressionando meu peito.

Muito cedo, muito jovem.

Nunca mais ele baterá na minha porta chegando de viagem e nunca mais nós poderemos nos comparar como sempre fizemos durante a vida toda: Quem estava mais gordo, quem deixou a barba crescer, quem atingiu a puberdade primeiro e em qual de nós nasceu o primeiro fio de cabelo branco.O resto da jornada terei que seguir sozinho.

Olho mais uma vez para meu irmão. Começo a notar as semelhanças que o choque inicial não me deixou perceber antes. Admiro suas feições pela última vez e faço uma prece silenciosa agradecendo pelo milagre de ter nascido junto com ele.

Vejo suas sobrancelhas finalmente descansadas (que viviam sempre vincadas de preocupação), seus lábios. A cicatriz debaixo do queixo. Abro um sorriso e por reflexo, levo a mão ao meu próprio queixo.

Já são sete e cinco e as pessoas começaram a chegar. Minha esposa e as crianças (eu sei, mas pra mim sempre serão crianças) vêm e me dão um beijo, me perguntando como estou. Dou um sorriso para tranquilizá-los e digo que está tudo bem.

Menos de dez minutos depois, a capela já está lotada. Amigos, primos, ex-mulheres... Todo enterro no final vira um filme de Fellini, com choro e gargalhadas na mesma proporção.

Vou até a cantina e peço um café. Não foi a melhor escolha (aguado e fervendo, como todo café de cantina), mas pedi mais por hábito que por necessidade. Bebo metade do conteúdo e dispenso o copo plástico na lixeira.

À entrada da capela, me deparo novamente com o livreto verde musgo.

O livro de presenças já estava aberto na segunda página e vejo que praticamente todos já o assinaram. Até Beatriz, sua segunda (ex) esposa, que sempre viveu às turras com ele durante a vida inteira, havia rabiscado suas condolências no livro. Olhei novamente para a caneta ao lado e finalmente a pego.

Desenho primeiro um “C” (quase irreconhecível), depois um “L” (ainda difícil), um “A” (tremido, mas ficando melhor)... e assim por diante.

Pronto.

“Claudio,
Você é minha carne. Você é meu coração. Durma em paz.
Um beijo do seu irmão.
Com a minha esquerda,

Daniel”.


Brenner Oliveira é um grande poeta e escritor. Não o conheço pessoalmente, mas sua pena sempre me emociona quando tenho o prazer de navegar com ela. Você encontra mais belezas como este conto aqui publicadas na página do Facebook do Buraco Virtual do Desenrolo Filosófico aqui ó:

DMV Emprestado: Até Agora - Marlos Degani – 1992 – 2008

Como o colunista Marlos Degani não escreveu nada para este número do Zarayland, ouso aqui resenhar seu disco de poemas, usando sua própria coluna para dissecá-lo. Por isso o DMV desta edição versa sobre uma produção audaciosa do poeta, ao lado do produtor “faz tudo” Marcelo Peregrino, de seu disco de poemas “Até Agora – Marlos Degani – 1992/2008”.

Juro que nunca concordei com a feitura desse disco. Sempre achei precipitado para um poeta que havia lançado apenas um livro de poemas. Nunca me agradaram, também, discos de poemas declamados. Esta idéia acrescida da decisão incisiva de Marlos em não ter qualquer adereço aos poemas (ruidinhos, fundos musicais ou qualquer outra coisa que decorasse sua voz lendo os poemas) me deixou ainda mais cabreiro!

Mas o disco é um registro histórico único, que hoje acho, deveria ser repetido por todos os poetas. Não pelo apressado produto, mas por vê-lo como um registro importante da poesia nacional. Pois bem, vejam porque:

O disco cobre todos os poemas (editáveis) do poeta, registrado por sua própria voz, dando as ênfases corretas aos seus versos, respeitando vírgulas e respirações, ainda que em vários poemas se perceba nitidamente a mudança da pronúncia devido ao consumo incessante de Sagatiba.

Aliás este detalhe torna a obra mais interessante. São 39 faixas com mais ou menos três poemas cada. Coisa para caralho. Mas vi com esses olhos que a terra rejeitará, a poeta Vanessa Santana ouvir no fone de ouvido e chorar de emoção com seus versos!!! Não indico a ninguém que ouça o disco de uma vez, é hercúleo ouvi-lo sem acompanhar os desenhos dos versos no papel, mas ouçam como pequenas doses de destilados. Tome uma dose aqui e outra ali. E aí cai muito bem.

O disco tem supra-importância quando penso em escolas e em quem queira passear por sua obra. É uma ótima forma de fazer alunos cada vez mais preguiçosos com a leitura, se apaixonar pelo mundo mágico da poesia. Ouvir os versos de Degani é um prêmio. Eu já ouvi esses disco inteiro umas 5 vezes. E isso é o maior elogio que ele pode receber de mim. Mas é claro, que eu sou muito suspeito. Faço parte da vida deste poeta e ele faz parte da minha vida como o H2 faz com O e vira água. Somos irmãos. E fiz a capa do disco. Um rabisco na mesa de um bar, só para questionar a caricatura que outro colega fez dele, e na hora ele proclamou em alto e bom som: “Era isso que eu queria!!”

E me orgulho muito desse momento!

As últimas 11 faixas são na verdade uma entrevista feita por vários amigos que enviaram suas questões ao vate, que respondeu uma a uma, as vezes com total intensidade, as vezes com total embriaguez.

O disco virou um DMV (Discos de Minha Vida) por se tratar de um disco de pau duro, cheio de tesão, honesto para caralho e porque são poemas essenciais na vida de qualquer um que goste de poesia e da visceralidade de versos soconolho. Ouça, critique, elogie, viste a página do poeta, mas nunca passe impune!

O poeta está no Blog
O poeta está no My Space
O poeta está no YouTube
http://www.youtube.com (digitar Marlos Degani)
O poeta está na página do Desmaio Públiko do Orkut
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Baixada Fácil http://www.blogger.com/goog_1741428297
O poeta está no Twitter @MarlosDegani

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Zarayland Vinte!

Queridos amigos, cheguei a vigésima edição do Zarayland! Entre a edição anterior e esta perdi duas tias queridas. Tia Maria (parte de mãe) e tia Virgínia (parte de pai) em menos de duas semanas de diferença. Doeu demais. Esta edição 20 eu dedico a essas duas mulheres maravilhosas que diferentemente e em épocas distintas marcaram a minha existência!

Estou aqui firme e forte para contar para vocês:

1) O que era o encontro de Poetas EMBOSCADA POÉTICA que rolou lá em 1993 no Sabor da Glória – RJ e da apresentação que o Desmaio Públiko fez tranformando nossa presença obrigatória em todos os eventos de poesia do Rio daquela época.

2) A volta da coluna 10 Perguntas. Desta vez para o vocalista Cannibal (Devotos) que nos apresenta seu novo projeto: Café Preto

3) Na coluna MEU POVO falo de um grande amigo, Marcelo Peregrino. Um guerreiro da cultura e mais que isso, um irmão!

4) O grupo do Facebook BURACO VIRTUAL DO DESENROLO FILOSÓFICO desta edição traz o texto do Hugudão (já sócio deste blog) com uma linda história sobre um menino e a poesia.

5) Mais uma coluna que fez sucesso por aqui: Petiscos, Tequinhos e Tiragostos Zarayland dá mais três dicas bacanudas do que rola de mais legal, para mim, na rede.

6) E a tradicional coluna de Marlos Degani, DMV, fala dos disco FAGNER: 10 anos de Música, com direito ao disco (que eu mesmo montei) para você baixar.

E é isso, vida que segue!

Um beijo um queijo e um beliscão de caranguejo!